quarta-feira, 6 de abril de 2011

Uma espécie de metáfora

Tive ontem de sair de Lisboa, não muito longe mas ida teria de ser a uma hora onde o trânsito na estrada devia ser um pavor, pelo que preferi ir comodamente de comboio. Costumo fazer sempre assim, posso ler, ver a paisagem, pensar, sem ter de estar com a atenção na estrada ou arriscar-me a levar com um carro em cima.
À volta, não havia comboio à hora que me dava jeito e  assim decidi voltar de camioneta.
Olhava distraidamente pela janela ao atravessar os subúrbios da cidade de onde estava a sair, quando arregalei os olhos:
Um homem de meia idade, levando na mão direita uma bengala branca com riscas encarnadas, passava  sozinho destemidamente por entre os carros, que abrandavam muito ao reparar nele.
Várias dúvidas:
a) Seria mesmo um cego? Hoje não se vêem muitas bengalas daquelas. Contudo se fosse uma pessoa da província, como a localização indicava, talvez ainda a usasse.
b) Uma brincadeira? A idade que o senhor aparentava afastava um pouco essa hipótese. Um adolescente em plena provocação talvez usasse aquela técnica para chamar a atenção, mas um homem de meia idade?... Huuuummm…
c) Estaria inconsciente do local onde estava? Teria de ser também surdo, o que já é levar a coisa longe demais.
Se hesitei quando ia escrever ‘destemidamente’, é porque com todas estas dúvidas posso imaginar que ele até estivesse cheio de medo. Não sei. Afinal foi uma cena entrevista num curtíssimo espaço de tempo.

Mas, enquanto a camioneta continuava o seu caminho, eu ia pensando como aquela visão podia ser simbólica. Não será o que andamos a fazer? Os nossos governos, nós que os elegemos, o nosso comportamento no dia-a-dia, não será o do cego a atravessar sozinho uma rua movimentada munido absurdamente apenas da sua bengala?
E uma frase-feita teimava em aparecer «o pior cego é o que não quer ver»

Pé-de-Cereja

2 comentários:

meri disse...

Tens razão! não quer ver ou só vê o que quer e como quer!
um bom dia para ti!

cereja disse...

Tal e qual, Méri. Existe uma «visão selectiva» quando vemos apenas aquilo que aparece de acordo com a nossa opinião. Estou a encontrar muito quem ajuste os factos à sua perspectiva e não procure analisar o que é a realidade. Assim não se chega lá!