segunda-feira, 11 de abril de 2011

Qual Salazar, qual carapuça!

Com o desespero que a situação actual promove, somado ao sentimento de desapontamento que tem vindo a crescer após o 25 de Abril por se confirmar que o mundo com que se sonhou foi apenas… um sonho, vamos ouvindo cada vez mais uma frase impressionante: «Isto precisava era de um Salazar
A frase, em tempos, era dita com um sorrisinho irónico por gente muito revoltada com alguma coisa que lhes parecia um abuso, mas tenho-a ouvido muito agora, numa versão superlativa «Isto nem com um salazar lá vai, só com vários!»
Tem algum interesse reparar como evolui a nossa linguagem e como um nome próprio passa à categoria de 'adjectivo'. Não faz parte das minhas memórias, tão remoto é, mas contavam os meus pais que eu em pequenina quando me zangava com uma boneca ralhava: «foste muito má! És pior que o Salazar!» uma espécie de irmão mais novo do Diabo. Na série do Harry Potter, o vilão inicial chama-se Salazar [Slytherin de apelido] e, de certo, não foi uma escolha ao acaso porque a autora viveu entre nós.
Mas, o tempo vai adoçando algumas imagens, e de «O Mal» passou a representar «o ditador», a seguir «firmeza política», «autoridade» e, neste momento, a palavra parece já querer dizer a força que traz a ordem ao caos.
Ou seja, já se passou muito tempo, e agora só não se reclama o Marquês de Pombal, também absolutista, porque já nem na memória dos mais velhos existe essa recordação, e nem seria a mesma coisa, mas...
Mas a verdade é que a democracia é ainda, afinal, «o pior sistema político, salvo todos os outros» dizia o Churchill se não me engano. Não se inventou melhor. Porque, afinal... Oiço dizer que queria «um salazar» à mesma pessoa que ferve de indignação (e bem) com decisões do PM Sócrates, por ele não ter ouvido as pessoas. Quer «um salazar», por exemplo, um professor que se manifesta legitimamente na rua quando afinal, se ele governasse teria de ter assinado uma declaração em como aceitava à priori tudo o que o governo fizesse. Deseja «um salazar» o motorista de táxi, que no tempo dele tinha a bandeirada ‘congelada’. Pede-se «um salazar» que imponha ordem… aos outros!
Quem não enxerga o que esse desejo tem de aberrante, imagine o que seria o monstro por que anseia agora virar-se depois contra os seus desejos. Já não seria bom, pois não? É que as ditaduras e os poderes totalitários têm isso de desagradável – são incontroláveis. São poderes que, uma vez desencadeados vão gerando autodefesas para se  manterem e destroem tudo à volta.
A actual democracia anda mal e sofre de corrupção? Também me parece. Mas o caminho para a consertar não pode ser saltar da frigideira para o lume
Um ditador? Não obrigado. Já provei e não gostei.


Pé-de-Cereja

7 comentários:

Anónimo disse...

Alguém me avisou de que tinhas 'voltado'. Podes sempre voltar que estás perdoada pela fuga :)))
Interessante a tua opinião que partilho, como tem de ser. Essa do tempo volta para traz é felizmente idiota e impossível.
Como é tua assinatura, desencantaste uma gravura que acerta em cheio no que disseste. O sapato devia ser uma bota para ser ainda mais alegórico, mas talvez exactamente por isso esteja bem o sapato. e de camurça. A esmagar/pisar os peões, nunca os cavaleiros, bispos ou reis. E também em cheio a alegoria de que os peões podem ser de várias cores. Tal e qual!

cereja disse...

Bom dia, caríssimo/a anónimo (não deves ser, mas já não te deves lembrar de como deixar o nome)
:D
Ainda bem que o meu 'esforço' para encontrar na net bonecos adequados ao que escrevo resulta bem. já alguém uma vez disse que é a minha imagem de marca :D De resto o que digo aqui são quase banalidades. Todos sabemos que é assim, mas há quem esteja esquecido e nivele tudo pelo mesmo.

Mary disse...

Tens de arranjar mais publicidade sobre o Cerejas. No tempo do Pópulo que Deus haja isto parecia um chat um forum ou lá o que é, e agora mesmo com um post interessante como este ninguém cá vem (ou pelo menos ficam calados) Tá mal!!!
Eu faço minhas as palavras do «anónimo» (será o antigo King?) o boneco vai mesmo à mouche. De resto também tenho ouvido muita gente com essa conversa do novo salazar, mas para compensar tenho ouvido que o que era preciso «era outro 25 de Abril»
Pois...

fj disse...

experiência

Zorro disse...

Quis passar por cá mais cedo mas tinha-me esquecido do modo como assinava... gulp! É o que dá estares assim tantos meses sem escrever :)
Óptimo! Fico bem contente por te ter de volta, digamos assim (mas foi alguém que tem este blog numa lista e viu que havia posts novos e me preveniu; tenho de arranjar esse sistema)
Bem, isto foi só uma saudação.
O post como nos habituaste, oportuno que eu sei lá. Amanhã venho dizer mais alguma coisa.
Um abraço

cereja disse...

Bom, bom, bom...
Isto anda a compor-se! Já apareceu a Méri, a Mary, um/a anónimo que pelo que se vê é da casa, o Zorro e o meu amigo FJ que se baralhou com a entrada aqui nos comentários e não atinou com o caminho certo... Mas veio cá pelo que me disse.
Bem vindos a todos e espero pelo «mais alguma coisa» do Zorro.
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Como se vê agora escrevo menos. O que era para deixar hoje ainda está para completar. Mas não faz muito mal, as coisas do dia (ou do momento) vão mais para o FB.

Zorro disse...

Sabes que esse desabafo é sobretudo p+ela irritação que se sente por (como ali dizes) ver que os sonhos foram daqueles de calda de açúcar, que depois de saboreados não fica nada. A não ser a recordação.
O Otelo hoje diz que se soubesse o que sabe hoje não tinha feito o 25 de Abril. Até temos medo ao ouvir isto.
Claro que olhamos para o resto da Europa e com algumas excepções - ao norte sobretudo - todos os barcos andam a meter água. Mas o estar-se mal acompanhado não consola nada!!!!!!