sábado, 31 de outubro de 2015

Arte e provocação artística

A história é engraçada. Uma empregada de limpeza de um museu «limpou» uma obra que estava em exposição. Começamos por estranhar mas, sinceramente, talvez nós fizéssemos o mesmo. Por aquilo que se lê a obra artística que se chamava «Onde vamos dançar esta noite?» - os criadores não lhe chamavam escultura nem pintura chamavam-lhe 'instalação artística' - e consistia em garrafas vazias espalhadas no chão, rodeadas por beatas e serpentinas e confetis. Hmmmm... Qualquer boa mulher-a-dias limpa essa porcaria.

Cá por mim, se isso não tinha nenhum destaque especial, não posso censurar a empregada. Como ia adivinhar? Entra numa sala naquele estado e, logicamente, limpou tudo. Normal, não? Mas agora, possivelmente, vai ter receio de despejar os caixotes do lixo ou limpar o pó, sabe-se lá se não é outra instalação.
Se desta vez entendo muito bem a confusão da empregada, isto fez-me recordar uma história de que fui «vítima» já há um bom par de anos:
O gabinete onde eu trabalhava era limpo diariamente por uma empregada que eu até conhecia mais ou menos bem por ela já lá trabalhar há uns anos. A certa altura, por uma qualquer remodelação, aquele andar passou à responsabilidade de outra empregada, muito activa e desembaraçada. Começou por passar a arrumar-me sistematicamente a secretária, ou seja empilhando dossiers que estavam separados por uma determinada ordem. Depois de alguns conflitos, passei a ter um pano do pó guardado e limpava eu o pó às minhas coisas.
As coisas estavam nesse pé, a Dona ***** despejava o cesto de papeis, aspirava o chão, limpava os vidros da janela, e pronto. 
Até que certo dia ao entrar o gabinete pareceu-me estranho, desconfortavelmente vazio... Eu tinha numa das paredes um poster, grande, lindíssimo e de grande valor estimativo. O fundo era uma reprodução de um quadro, enquadrando o programa de um seminário onde eu tinha participado há uns anos, seminário que tinha sido muito importante para mim sob vários pontos de vista. Tinha conseguido aquele poster com alguma dificuldade, quase nem queria acreditar na sorte que tinha tido por o ter conseguido na altura.
Olhei para o chão, a ver se se tinha descolado (o que seria estranho...) mas não. O resto da sala estava arrumada. Lá fui procurar a Dona *****, para entender o que se tinha passado. Ia morrendo, quando ela muito segura de si e até condescendente me informa: «Oh doutora, não viu que aquilo estava velho?! A data já passou há muito tempo. Eu deitei para o lixo, já estava ultrapassado!!» Devo ter passado por várias cores, porque ela mostrou-se menos segura, e depois de ter explicado que já tinham recolhido o lixo, ofereceu-se para me arranjar um outro qualquer, havia uns calendários muito bonitos...
Com esta recordação, compreendo melhor a senhora das limpezas italiana, a que «limpou a instalação» das garrafas vazias e beatas no chão.




Cereja




quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Ando farta!


Ando farta, farta, farta que mandem em mim!
As crianças «do meu tempo» eram mais obedientes. Quero eu dizer, havia de tudo é claro, meninos mais ou menos desobedientes, mas quem mandava eram os adultos - pais, professores, as tais figuras de autoridade - e nós sabíamos isso. Quando se crescia ainda se tinha de obedecer às normas sociais e às leis mas na vida privada fazia-se como se queria.
Actualmente as crianças, de uma forma geral, já questionam (e muito!) as ordens que recebem. A maioria delas é negociada e raramente se ouve a frase vulgar na nossa infância «é assim porque eu mando!». Nas famílias até parece que todos os filhos de qualquer idade vivem como os adolescentes do meu tempo, em contestação permanente.
Mas, por outro lado, a sociedade de hoje controla muito, mas muito mais, as nossas decisões quanto à forma como vivemos, nós adultos.
Ele é a publicidade constante e invasora, ele são 'estudos' científicos com que nos bombardeiam, ele são os conselhos médicos em cada consulta e nem sempre coincidentes entre as diversas especialidades, ele são as milhentas revistas de especialidade(s) que compramos... Todos, e a maior parte das vezes de um modo contraditório entre si, nos mandam:


Dorme mais!
Não comas isto!
Não durmas tanto!
Tens de comer aquilo!
Faz ginástica!
Toma banho assim!
Bebe água!
Faz a sesta!
Anda a pé!
..................................


Pronto, CHEGA!
Na parte alimentar isso então atinge quase o delírio. Não sei se por interesses económicos não há mês, ou se calhar nem há semana, onde não descubram que determinado alimento faz muito bem ou faz muito mal! E lá se soltam os cães à caça desse maléfico alimento que será banido da nossa dieta alimentar.
OK.
Se fosse obediente hoje seria assim o meu almoço:



Cereja

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Os cafés


Inesperadamente encontrei no youtube uma canção.

Não conhecia a canção apesar de conhecer a cantora... desde «os tempos do Monte Carlo»!






Fiquei afogada em saudades. O café Monte Carlo foi uma referência para a minha geração, o ponto de encontro para a malta universitária, sobretudo a mais virada à literatura e às artes. E ainda por cima para mim era quase inevitável por ser pertíssimo da minha casa.
Nesses anos, os cafés eram a nossa segunda casa.
Conheci uma pessoa, já de outra geração, que me contou ter uma vez mandado fazer cartões de visita, com os dizeres «Fulano de tal, Café Chiado». Era a sua morada! Porque estávamos no café horas e horas. Eu própria, certa vez, sentada ao fundo da Brasileira com uma chávena de café, passei pela vergonha de ouvir dizer educadamente «Não deseja mais nada?» e vim à tona olhando o livro, caderno e lápis e enchiam o tampo pequeno da mesa, sem perceber a pergunta do empregado. Ele olhou para o relógio da parede e vi que estava há duas horas e meia sentada em frente de uma bica... Ups!
Os cafés mais frequentados, na minha geração, já não eram os da Baixa mas os que eram perto dos locais onde se estudava. O Tatu, o Nova Iorque, o Vavá, na zona da Cidade Universitária. O Cister para a malta de Ciências. Ou os perto-de-casa como o Imperial ('Confeitaria' ?!...) e também o Café do Cinema Império, por exemplo. A relação dos clientes com o Café e do Café com os clientes era muitas vezes próxima e pessoal. Em frente do Monte Carlo havia um outro café muito mais antigo, o Café Paulistana que o meu avô frequentava. Como era um republicano conhecido, consideravam que a sua presença dava prestígio à casa e o primeiro café era sempre oferecido!
Eu tinha a sorte do «dois-em-um» no caso do Monte Carlo: era o mais perto da minha casa e onde a malta amiga e com mais afinidades se juntava. Foram tarde e noites inesquecíveis as que lá vivi.

As saudades que esta canção veio levantar...


Cereja

sábado, 10 de outubro de 2015

'Máquinas' ou 'sessões de esclarecimento'


Estamos no rescaldo de umas eleições legislativas muito importantes. São sempre muito importantes este tipo de eleições, mas, se possível, estas foram ainda mais do que as outras. Estamos a viver uma crise económica (e não só) com reflexos em diversos valores com um custo brutal nas nossas vidas.
O resultado apurado nas urnas foi surpreendente. 

A opinião pública tinha sido inundada por demasiada «informação» (?) que por ser demasiada e muito suspeita, era de imediato desacreditada. A ideia das sondagens diárias massacrou as pessoas e lançou grandes dúvidas sobre o rigor das mesmas. Hmmmm...?! não-pode-ser-verdade! era o que mais se ouvia. O maior palpite era que iria aumentar muito a abstenção, contudo durante o dia até parecia que ela teria diminuído. Contudo na própria noite eleitoral sentiu-se um terramoto - as sondagens diziam verdade!!! As primeiras notícias, as 'projecções', estarreceram os eleitores de esquerda! Sugeriu-se que os partidos do governo, os dois juntos é certo, estavam prestes a atingir a famosa maioria absoluta. Como era possível?!
Mais do que nunca olhando para o mapa de Portugal se via uma linha dividindo-o ao meio: o norte laranja, o sul vermelho. E a mancha vermelha do sul podia explicar como tanta gente que por aqui vivia nem conseguia admitir o resultado das urnas porque o que viam à sua volta dizia-lhes o contrário. E o que se via na tv é que os lideres do PAF  quando apareciam em público tinham de ser protegidos da agressividade popular, e os outros pelo contrário eram vitoriados ou vistos com simpatia. Muito bem, a verdade é que na hora do voto a coisa foi bem diferente.
Em conversas que fui tendo com amigos, uma coisa foi muito sublinhada: a opinião pública é manipulável de um modo impressionante! No caso dos grandes partidos quem ganhou ou perdeu foi quem fez um melhor marketing. E o PS aí falhou completamente, tendo inclusivamente mudado de director de marketing depois do «caso dos cartazes» onde se esqueceram de explicar aos figurantes que o eram... E outros diversos 'tiros-no-pé' que naturalmente eram muito sublinhados pelos adversários. Pelo contrário a PAF teve um marketing muito bem feito, e viu-se pelo resultado.
Ora nas diversas conversas com os meus amigos uma coisa era frequentemente sublinhada, as propostas ou não-propostas de programa feitos pelos diversos partidos, o ter chegado a público ou não aquilo que os economistas dos partidos propunham. E eu ia pensando para mim "vocês podem ter razão, mas quem é que lê os programas e as propostas, e os entende?». Há uma classe de pessoas politicamente informadas e que têm esse cuidado, mas a esmagadora maioria dos eleitores não os lê nem os compreende. Simples. Ou seja, dá para entrar em força as máquinas partidárias com fortes jactos de contra-informação, e quem domina os meios de comunicação nem precisa de se esforçar muito. A receita é fácil e simples: repetir até à exaustão e bem embrulhada a ideia que se quer passar, seja ou não uma rematada mentira. Analisar e discutir seriamente as propostas não é preciso nem convém.
Há 40 anos, nos primeiros passinhos da democracia, usou-se um modelo, a «sessão de esclarecimento». Foi muito troçada, porque havia quem considerasse que o MFA ou as forças que organizavam essas sessões tinham uma visão demasiado de esquerda. Mas o modelo era correcto: levar aos clubes de bairro, às organizações locais, às aldeias, às freguesias, o debate em pequeno grupo. Muitas das pessoas que ouvem as 'análises' (?!) dos comentadores da tv, num tom paternalista e superior, teriam vantagens em ouvir outras opiniões e mostrar as suas dúvidas. Ora isso só em pequeno grupo.
Mas o tempo é das 'máquinas', partidárias ou não a máquina é distante e não-humana. 
Não a podemos vencer?



Cereja