quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

A prenda do meu carrito

As máquinas têm sempre razão
Isto costuma ser dito por alguém que não é uma máquina quando nos quer achincalhar. Quando se está a marrar contra qualquer objecto que não quer ceder, e não vimos bem todos os aspectos da coisa, alguém com ar trocista – e que fala maquinês – atira-nos com essa frase, que é suposto reduzir-nos à nossa insignificância.
Pronto! OK. Muitas vezes não se está a ver bem a lógica da coisa, mas existe uma lógica, e quando se entra no sistema a dificuldade resolve-se.
Mas outras vezes parece mesmo que as máquinas gozam connosco. Nunca vos aconteceu? A mim está sempre a acontecer.

Desta vez era o parvo do carro. O bichinho é velhote mas valente. Tem aguentado muitos desmazelos meus que não lhe dou nenhum mimo por aí além. Alimento-o e levo-o ao médico à revisão quando é altura mas pouco mais. Aqui há uns tempos, levou uns safanões quando um gatuno lhe arrancou o rádio, e a parte eléctrica não ficou lá muito bem. Nada de grave, que o impedisse de andar. Mas perdeu uma das poucas gracinhas que fazia (se fosse telemóvel chamava-lhe uma ‘aplicação’)  e ainda por cima me dava um jeitão, distraída como sou: se estacionasse com algum farol ligado, ao abrir a porta para sair ele apitava. Aquilo poupou-me muitas descargas de bateria. Na revisão seguinte que lhe fiz, pedi para verem essa coisa, o mecânico afirmou-me que já estava bem, mas não estava. Como não sei argumentar com mecânicos, resignei-me. Achei que a 'aplicação' tinha desistido. Reformou-se. Finou-se. Não apitou mais.
Há dois dias, estaciono, tiro a chave, abro a porta e oiço: piiiiiii!!! Oooooh maravilha!  As luzes, as luzes tinham ficado abertas, e cá está o apito! O querido deu-me esta prenda de Natal – voltou a funcionar sem ninguém lhe pedir mais nada.
………
Que beleza. Não sei, nem me interessa lá muito por alma de quem aquilo voltou a apitar, mas apitou! E estou pronta a declarar que ela (máquina) tem razão mesmo sem sabendo em quê.






Pé-de-Cereja

Cansaços

Recebi, na ante-véspera do Natal, dois telefonemas seguidos de duas amigas.
Uma delas telefonou-me quando estava a lanchar, atendi quando ainda estava a engolir e desculpei-me disso. "A lanchar? -respondeu-me ela - Olha eu ainda nem tive tempo de comer!!!" o que me fez sentir um tanto envergonhada e comilona até ela se ter queixado numa voz agressiva que estava cansadíssima por ter estado a manhã toda no Toy's R Us para comprar a prenda da neta. Bom. Reconheço que não tenho grande paciência para esse tipo de queixas. O Natal não é uma festa volante, é sempre no dia 25 de Dezembro, qual a ideia de se esperar pela véspera para as compras necessárias?!... Só me apetecia dizer "Bem-feito!!!" É, pode haver um esquecimento, um imprevisto, mas não da neta ela até me explicou que era uma prenda específica... E também não foi o caso de estar à espera de receber o ordenado para a compra. Esta minha amiga teve um início de vida difícil e duro, mas agora vive com conforto. Reforma razoável sem ser de luxo mas é só para ela, além de ter uns bons tostões em conta a prazo. Claro que ela é que sabe da sua vida, mas olhando de longe não entendo que fale tantas vezes de cansaço porque tem uma empregada que vai semanalmente deixar-lhe a casa a brilhar e explicou-me que desta vez, mesmo com uma família muito pequena, mandou assar o peru fóra, as sobremesas também vêm de fóra, em casa só faz a sopa e decora a mesa - actividade que já começou de véspera. Está a apertar o cinto sem dúvida, há uns tempos vivia bem melhor e o futuro preocupa-a como é natural mas tem uma vida muito confortável. Cansada, parece-me a mim, só por complicar o que seria simples.
Quase de seguida ligou-me-me outra amiga, a explicar porque não me tinha falado na véspera, como estava combinado. Ela tem 2 empregos durante a semana e ainda faz umas horas noutro sítio ao sábado. O marido tem uma reforma de 400 € o filho, de trinta e tal anos, vive com eles e está desempregado sem direito a subsídio. Nesse dia teve de apanhar o comboio das 8 da manhã porque a partir dessa hora greve e já não poderia ir trabalhar, e à volta esperou mais de uma hora na estação pelo fim da greve. Da estação a casa ainda é um bocado e ela vai carregada porque prefere fazer as compras num super que é um pouco mais barato apesar de mais longe. Ao chegar é a lida da casa, a que não fez de manhã, e cozinhar o jantar. O marido não mexe uma palha (não é 'de homem' essas coisas...) e o filho idem. Ela é uma pessoa com imenso carácter, inteligentíssima, sensível, mas anda demasiado cansada para se impor "aos homens" da casa que ainda consideram natural que ela se ocupe de tudo. Confidenciou-me "Ando tão cansada que nem sou capaz de ler. Pego num livro e adormeço no sofá" e muitas vezes me diz que nem quer pensar no que seria daquela família se ela desaparecesse, porque é o suporte de tudo.
Impressiona-me mais ainda porque era uma pessoa de uma enorme alegria, optimismo e boa disposição. Ainda há uma dúzia de anos era para mim uma referência de pessoa que sabia "descomplicar" a vida, tirar o melhor partido. Como é possível vê-la assim...?
.............
Quanto a mim estou mais ou menos no meio. Sou organizada, não me enfio num Centro Comercial na véspera de Natal, nem tenho capacidade económica de mandar vir a ceia já feita mas não preciso disso, até gosto de cozinhar. Não me cansa. E felizmente, também não preciso de trabalhar loucamente para sustentar a minha família, mesmo que tenha cortado todos os extras e alguns não-extras, até teria vergonha de me queixar de cansaço quando penso na minha amiga A**. Conclusão? Que a sociedade é o raio de uma grande mistura, que há gente boa, capaz, sensível, generosa, inteligente como as minhas duas amigas, mesmo que o contraste seja tão grande.
Gosto muito das duas.



Pé-de-Cereja
  

domingo, 23 de dezembro de 2012

Depressa, depressa, depressa

O tempo acelerou.

Aqui há uns tempos achava que era defeito meu, sentir que tudo andava mais depressa do que quando eu era mais nova. Nesses tempos pré-históricos as férias grandes eram enooormes, até ficava toda contente quando recomeçavam as aulas, e depois nunca mais chegava o Natal, e depois tínhamos imenso tempo para pensar no Carnaval, etc...O tempo desenrolava-se como uma estrada sem fim.
  Mas de há uns tempos para cá é o contrário: mal começamos as férias e já acabaram e num ai acaba o ano, e num instante se está de novo nas férias que acabam depressa, etc, etc... Mas falando com gente jovem percebi que sentem o mesmo, afinal o defeito não é meu, há para aí uma falha temporal!!!
E a comunicação...?! Era lenta também, é claro. Escrita como convém,  mandávamos postais para dar recados e evidentemente que para eles chegarem se tinha de contar com o tempo do correio. Escrevia bastantes cartas, e enternece-me ainda hoje encontrar papeis um tanto amarelos com a letra da minha mãe ou do meu pai. Ficaram. Mas:
Zzzzzzzzz.... Telefone. 
Zzzzzzzzz...... Telemóvel. 
Zzzzzzz..... Internet. 
Zzzzzzz.... Blogs 
Zzzzzzzz..... Redes sociais
Zzzzzz Redes sociais no telemóvel ou tablet
Ai, ai, ai!
Como sou espevitada, desde cedo entrei no mundo da blogosfera como se dizia. Experimentei um blog de um modo muito artesanal, depois fui convidada para um colectivo onde fiz a minha tarimba e aprendi os códigos e tudo o que há 10 anos era preciso saber, depois ainda escrevi umas coisas num outro também a convite, comecei depois a trabalhar por conta própria, depois mudei de casa, e por último acabei aqui no Cerejas
Mas, como talvez se note, (os que me acompanham nestas andanças já viram) isto anda ao ralenti. O tempo em que deixava 4 ou 5 posts por dia já passou. E até passou o tempo de deixar 1 por dia! Parece estar a morrer de morte lenta e não sou apenas eu, vejo que os meus parceiros que têm blogs mais antigos também deixam cair um post quando o rei faz anos. :(
Poizé! Uma explicação: redes sociais, as malditas redes sociais! Facebook e twitter. É tão rápido que a gente vicia-se naquilo.
Mas parte de mim revolta-se. Se calhar vou mandar uns postais de boas festas!!!





Pé-de-Cereja  

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O ateísmo militante...

....também é cansativo!
Acho que sou 'fundamentalistamente' anti-fundamentalista.
Que me lembre não há nenhuma causa pela qual eu levante armas permanentemente, deve fazer parte do meu feitio pouco impulsivo, personalidade mais secundária, que me faz ver a vida a 36 (aí entre o 8 e o 80...) sou um pãozinho sem sal, talvez.
As causas religiosas nunca me interessaram, por educação e por feitio. Venho de uma família onde, dos dois lados, há mais de 100 anos se 'praticava' o ateísmo e por mim própria nunca senti o menor interesse pelo tema religião a não ser numa perspectiva histórica. Digamos que não me interessa o suficiente para lhe dedicar muito tempo embora ache alguma graça aos grupos ateístas e aceite fazer parte deles - por exemplo fui dar o nome a um censo dos não crentes mas como uma piada. É evidente que aquilo não reflete nada. Eu (e milhões de outros como eu) quero lá saber quantos somos...!
Mas, a propósito do Natal, regularmente aparecem pessoas a insistir num facto conhecidíssimo, que o solestício é a 22 de Dezembro e portanto as festas de Natal são festas do solestício. Ou seja esta famosa festa, antes de o ser já o era. OK. Mas qual é o mal? Afinal parece que até o papa veio dizer que realmente não é nada certo que o Menino Jesus tivesse nascido nesta altura. Nem sequer há 2012 anos. Isso diz o papa, imagine-se... E não vejo qual o problema em contar às crianças - as mesmas que acreditam no Pai Natal - uma história não-científica, em que elas podem ou não acreditar. Como aqui se diz com graça
Não acredito que todas as pessoas que celebram o Natal crêem que, um dia, há dois mil anos, um ser imaterial que vive no céu (em que sítio exactamente?), desceu à terra em forma de pomba para fecundar uma mulher (virgem, mas que estava casada com outro, José), e que, nove meses depois nasceria um homem-deus que, 33 anos depois, subiria ao céu (e de novo, para que sítio do céu?)”
Porque haveremos de combater a festa do Natal com tanta energia? É uma festa bonita, para além do consumismo. Oiço criticar a "obrigação-de-estar-juntos-numa-data-específica" e até concordo. Mas a verdade é que se não fosse essa desculpa, nem sequer uma vez no ano se encontava a família... E se se modificar a mania, nos últimos tempos, das prendas compradas para todos os conhecidos mais o cão e o gato, e se voltar à família muito próxima e se possível presentes feitos com as nossas mãos, o costume é bonito.
É isso que eu penso.
(Re) Nascimento da Natureza? Sim. Do menino Jesus como um símbolo? Porque não...? E, é claro que não há a obrigação de estar alegre. Como comecei por dizer, nada de fundamentalismos!!!
Mas eu gosto de uma noite de calor e luz, num dos dias mais escuros do ano.

Gif Centro de navidad
Pé-de-Cereja

 

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O 8 e o 80

Como em quase tudo, em questões de educação com o andar dos anos as normas sobre o que é correcto oscilam entre o 8 e o 80.
Quando eu era criança, havia uma frase/sentença que me deixava irritadíssima embora sem argumentos. Quando eu respondia sobre alguma assunto «Mas eu queria!!!» (menos frequentemente «eu quero» porque essa era expressão que uma criança não usava...) ouvia de volta «a menina não tem querer!». E mais nada!
Está mal. Os "meninos têm querer" é evidente, e devem ser ouvidos. Mas não devem ter "poder". Para um equilíbrio e bom conhecimento de normas sociais, o poder de decisão, a autoridade, a definição de limites e regras, devem se definidas pelos adultos. Afinal a responsabilidade é também dos adultos...
Contudo, apesar do peso das tomadas de decisão continuar a ser inevitavelmente dos adultos, hoje muitos pais e educadores delegam o "poder" nas crianças, considerando ingenuamente estar a educá-las o melhor possível.
Ontem entrei numa pastelaria e estava a tomar um café ao balcão quando entrou um jovem pai com uma menina. Era uma criança bem pequenina, tinha menos de 3 anos de certeza. Dirigiram-se ao balcão e ele demorou-se a analisar o mostruário dos bolos e sumos engarrafados
perguntando ao empregado qual o recheio das azevias, se aquilo eram sonhos, e finalmente escolheu qualquer coisa para o seu lanche. Depois pegou na criança ao colo, porque ela nem chegava ao balcão, e perguntou-lhe o que é que ela queria. A menina olhou, de olhos muito abertos, para aquelas luzes cintilar sobre as frutas cristalizadas e o chantilly e estendeu o indicador gorduchinho para um bolo, aparentemente ao acaso. Era um "mil-folhas" a transbordar de recheio.  O pai hesitou um segundo, objectando vagamente "olha que é muito grande... [e era!] tens muita fome?" A criança nem respondeu, manteve o dedito espetado e ele sorriu para o empregado "Então é esse". E levaram o prato para a mesa.
Entre «a menina não tem querer» e o passar a decisão sobre a alimentação de uma quase bebé para a própria, é a oscilação entre o 8 e o 80. Aquela criança estava na idade de lanchar um copo de leite e um pão com manteiga ou compota. Aquele bolo era uma carga de gordura, de açúcar, produtos não naturais no recheio, etc, etc, ou seja estava a iniciar a filha em maus hábitos alimentares. Mas o que me impressionou foi que a decisão sobre a escolha do lanche estava no dedo da menina... e dentro de um ou dois anos ela vai exigir comer aquilo e só aquilo que lhe passe pela cabeça.
E aquele pai, bem intencionado, acredita estar a educar aquela menina o melhor possível.







-de-cereja

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Embalagens, truques, e o comércio tradicional.

Quando eu era criança quase não havia produtos embalados. Tal como não havia o «pronto a» (vestir, comer, consumir...) que, imagino eu, nasceu do desejo ou gosto de velocidade da vida actual.  
Lembro-me bem ainda de ir comprar manteiga e o merceeiro retirar com uma colher de pau uma porção dela e atirá-la para um papel vegetal em cima da balança. Ou os ovos. O sr. Antunes abria um cartucho de papel pardo e metia, um a um, os ovos que nós queríamos. E os outros produtos, arroz, farinha, açúcar, eram pesados à nossa frente em cartuchos de papel pardo ou papel branco quando eram "produtos finos". O azeite, esse, passava para a garrafa lavada que os fregueses levavam através de uma geringonça com um êmbolo que me fascinava. E por aí fóra. Comprado em embalagens as conservas - sardinhas, atum, e pouco mais. E na drogaria a mesma coisa. E no lugar de hortaliça também.
E isto foi em Lisboa, é verdade, mas há dezenas de anos.
A pouco e pouco por uma questão de higiene, e para facilitar a rapidez da compra tudo isso passou a vir embalado do fornecedor. Gastam-se quilos e quilos e quilos de embalagens. É engraçado ver a campanha contra os sacos de plástico esquecendo que dentro de cada um desses sacos vai sempre muito mais plástico!
Ultimamente tenho sentido uma embirração especial contra as "embalagens enganadoras". Muitos supermercados apresentam carne, peixe, legumes, já embalados de uma forma artística e com preços atraentes por parecerem bastante baixos. [digo de uma forma artística porque naturalmente os defeitos do produto estão na parte que o consumidor não vê...] E são enganadores porque o preço ao quilo vem sempre em letras muito pequeninas, temos de por óculos para as vermos, e o que se vê em números gigantes corresponde a meio quilo, ou 400 gr, ou até a 350! Temos de fazer rápidas contas de cabeça para ver quanto é que de facto custam aquelas 3 postas de peixe ou as 4 costeletas.
E por isso voltei definitivamente, a nível de peixe, carne, ou legumes, ao comércio do meu bairro onde pesam o que quero à minha frente e ainda me perguntam com sorriso se quero que tirem a pele ao frango. É que há ganâncias que se viram contra os gananciosos, e o truque das coisas já-embaladas-para-poupar-tempo começa a não funcionar num país de desempregados onde o tempo está muito barato. 
E tanto melhor para os Srs Antunes da actualidade.



Pé-de-Cereja