quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O 8 e o 80

Como em quase tudo, em questões de educação com o andar dos anos as normas sobre o que é correcto oscilam entre o 8 e o 80.
Quando eu era criança, havia uma frase/sentença que me deixava irritadíssima embora sem argumentos. Quando eu respondia sobre alguma assunto «Mas eu queria!!!» (menos frequentemente «eu quero» porque essa era expressão que uma criança não usava...) ouvia de volta «a menina não tem querer!». E mais nada!
Está mal. Os "meninos têm querer" é evidente, e devem ser ouvidos. Mas não devem ter "poder". Para um equilíbrio e bom conhecimento de normas sociais, o poder de decisão, a autoridade, a definição de limites e regras, devem se definidas pelos adultos. Afinal a responsabilidade é também dos adultos...
Contudo, apesar do peso das tomadas de decisão continuar a ser inevitavelmente dos adultos, hoje muitos pais e educadores delegam o "poder" nas crianças, considerando ingenuamente estar a educá-las o melhor possível.
Ontem entrei numa pastelaria e estava a tomar um café ao balcão quando entrou um jovem pai com uma menina. Era uma criança bem pequenina, tinha menos de 3 anos de certeza. Dirigiram-se ao balcão e ele demorou-se a analisar o mostruário dos bolos e sumos engarrafados
perguntando ao empregado qual o recheio das azevias, se aquilo eram sonhos, e finalmente escolheu qualquer coisa para o seu lanche. Depois pegou na criança ao colo, porque ela nem chegava ao balcão, e perguntou-lhe o que é que ela queria. A menina olhou, de olhos muito abertos, para aquelas luzes cintilar sobre as frutas cristalizadas e o chantilly e estendeu o indicador gorduchinho para um bolo, aparentemente ao acaso. Era um "mil-folhas" a transbordar de recheio.  O pai hesitou um segundo, objectando vagamente "olha que é muito grande... [e era!] tens muita fome?" A criança nem respondeu, manteve o dedito espetado e ele sorriu para o empregado "Então é esse". E levaram o prato para a mesa.
Entre «a menina não tem querer» e o passar a decisão sobre a alimentação de uma quase bebé para a própria, é a oscilação entre o 8 e o 80. Aquela criança estava na idade de lanchar um copo de leite e um pão com manteiga ou compota. Aquele bolo era uma carga de gordura, de açúcar, produtos não naturais no recheio, etc, etc, ou seja estava a iniciar a filha em maus hábitos alimentares. Mas o que me impressionou foi que a decisão sobre a escolha do lanche estava no dedo da menina... e dentro de um ou dois anos ela vai exigir comer aquilo e só aquilo que lhe passe pela cabeça.
E aquele pai, bem intencionado, acredita estar a educar aquela menina o melhor possível.







-de-cereja

4 comentários:

fj disse...

Com esta imagem fica bem 800! fj

Joaninha disse...

BOA o comentário do FJ!
Mas o bolo é mesmo assim, realmente :)))))
Gira a 'crónica', as vezes a que assistimos a situações dessas. perguntarem a opinião a crianças que com toda a certeza ainda não a podem dar. E no caso da alimentação nem se fala! um absurdo mas que se está sempre a ver. Depois queixam-se...

cereja disse...

Olá FJ e Joaninha!
Eu ando a bater em ferro frio há tanto tempo que isto já enjoa, mas a verdade é que não consigo encolher os ombros e não "ligar". É certo que eu já não tive uma educação vitoriana nem tal é preciso. Entre a rigidez vitoriana, ou a "menina não tem querer" que já não era a mesma coisa, e a tolerância actual onde se permite que uma criança agrida verbalmente (e às vezes até fisicamente) um adulto a quem deve respeitar, há um abismo.

cereja disse...

Falei em agredir verbalmente, porque estou sempre a ouvir coisas de pasmar. Adolescentes zangados a falarem à mãe ou ao pai com um chorrilho de palavrões que ofendem até quem os ouve de passagem!!! e os pais a responderem mansamente!
Não digo que é uma inversão de papeis familiares, porque palavras daquelas nem os homens da minha família usavam numa discussão entre eles, e eu naquela idade desconhecia até o seu significado.