domingo, 12 de julho de 2015

Uma questão de português ou palavras que se banalizam


Foi notícia (e digo 'foi' porque com um intervalo de tempo mínimo uma história pode estar nas bocas do mundo e de repente é substituída por outra e esquecida num ápice!) há alguns dias uma historieta/fait-divers:

Uma senhora foi multada por um mau estacionamento. Coisa chata que já me aconteceu. Ninguém se resigna bem a esse tipo de multas mesmo que reconheça o erro que praticou. Depois de resolvida a questão e o carro dela retirado desse local que era para cargas e descargas, voltou a passar por ali e viu que a própria polícia tinha estacionado ali mesmo!
Furiosa, tirou fotografias, e como esse local era em frente de uma pastelaria colocou as fotos no facebook afirmando que os guardas tinham ido tomar o pequeno-almoço. 
Bem, a coisa foi partilhadíssima, tornou-se quase viral, e a polícia não gostou... Veio a público declarar que "os guardas estavam de facto no interior da pastelaria [...] mas a tentar identificar o condutor de uma viatura pesada que parqueou num local reservado a pessoas portadoras de deficiência."  A desculpa era boa. E imagino que a coisa poderia ter ficado por ali, se a senhora não tivesse também dito «são uns corruptos. É só corrupção [...] andam a passear e a multar quem trabalha o mês todo para viver» E aqui tudo se estragou.
Mesmo que «andassem a passear e a multar», atenção que isto não é corrupção. A palavra tornou-se moda pelos piores motivos. Existe, e bem o sabemos, imensa corrupção. Mas, até para a valorizar não podemos usar o termo para qualquer acto menos correcto. 
Corrupção é quando uma pessoa, que ocupa uma posição dominante, aceita receber uma vantagem indevida em troca da prestação de um serviço. Naquele caso* o que seria corrupto? O terem 'aproveitado' o lugar? A 'vantagem indevida' foi terem estacionado ali? E qual o 'serviço que prestaram' para ter essa vantagem?
Não senhora. A acusação é fortíssima, é um insulto grave, e de facto não se pode dizê-lo só porque estamos irritados com o facto de  termos sido multados.
Mas a história serve para pensar que quando se abusa de certas palavras, elas banalizam-se e ficam desenquadradas. E isso acontece imenso na actualidade.


Cuidado!

* talvez se pudesse falar em "abuso de autoridade"...

Cereja

sábado, 11 de julho de 2015

O estranho caso da inversão das convicções propagadas



Era uma convicção generalizada que se ouvia constantemente, e dava muito jeito quando se queria não aumentar ou até reduzir salários: "os povos do sul trabalham muito pouco". Depois bordavam-se considerações a ponto-de-pé-flor, a ponto-de-cruz, ou a ponto-à-jour - 1 -são preguiçosos por natureza, 2 - começam o dia de trabalho muito tarde, 3 - até fazem sestas, 4 - têm imensos feriados e férias, etc

Ouvimos isso vezes e vezes e vezes. E a vergonha e culpabilidade crescem porque se há pouca produtividade é por culpa do pecado da preguiça. Pecado feio, que deve ser punido e apontado a dedo.

Era estranho porque quem vivia quotidianamente num país como Portugal não confirmava esse preconceito... Via até que se somar o tempo, alongadíssimo, da deslocação até ao local de trabalho e o regresso a casa, o repouso de um trabalhador português é mínimo. Como era possível que os povos do norte ou do centro como a Alemanha trabalhassem ainda mais?!
Surpresa. Afinal os estudos, os tais famosos números, dizem exactamente o contrário do que nos queriam convencer
A culpa da falta de produtividade não é nada por poucas horas de trabalho: neste conflito recente ouvimos várias vezes os 'patrões' alemães do alto da sua arrogância censurarem os trabalhadores gregos pela sua preguiça, a mãe de todos os vícios como é sabido. Ooooh! Mas afinal, é exactamente o contrário, o país com menos horas de trabalho é a Alemanha e aquele onde os trabalhadores trabalham mais horas é a Grécia... (?!)

Nós estamos bem familiarizados com o esquema.

Também em Portugal se tem aumentado o horário de trabalho com a justificação de que se tem de produzir mais. E retiraram-se feriados, com a mesma justificação. E... cada vez se produz menos!

Ou seja, senhores patrões estão enganados. A produtividade tem outros segredos, não os salários cada vez mais baixos e mais tempo a trabalhar, mas para isso tinha de se olhar para cima, para quem planeia e gere, e isso ia alterar e aborrecer interesses diferentes que é melhor não beliscar.
Imagino que rapidamente se venha dar uma explicação: «está bem, trabalham muito mas devagarinho (?) trabalham mais horas mas de má vontade (?) trabalham muito tempo mas mal (?)» Fico à espera e interessada no que os tais povos que produzem muito e bem tenham a dizer.

Costuma ser isto:


Ah, é???

Cereja






segunda-feira, 6 de julho de 2015

Um estaladão na Tina


Existe uma grande crise económica.
Grande, enorme. Incontestável, indesmentível, inegável. Mas para se ver a questão com serenidade deve ver-se tudo e de longe. Algumas perguntas incomodam:
Quem fez as dívidas?
Em nome de quê? E porque é que as fizeram?
Nunca ouvi dizer que quem contesta não as quer pagar, e sim que não as quer pagar daquela forma. É o escamotear desse aspecto que faz toda a diferença.
A tal famosa Tina que nos quer fazer crer que There Is No Alternative. As vozes de entendidos que já provaram com números que até há alternativa, são ostensivamente ignoradas. 
Os economistas gregos andam há 6 meses a explicar isto, mas o que a imprensa manipulada traz a lume é simplesmente que «não querem pagar». Não tem havido 'negociações', porque usa-se a expressão negociar quando em 2 posições opostas cada parte vai cedendo um pouco, se se exige que um dos lados ceda completamente, tem outro nome. Ainda há dias foi falado que os credores não aceitaram que se trocasse mais cortes nas pensões por despesas com a Defesa. Isso não é ingerência?!

E logo no início desta questão, a pergunta «Quem fez a dívida?» e já agora «Porque a fez?» Estas dívidas (grega, portuguesa, espanhola, etc...) foram feitas pelos governos da altura. Esses governos não perguntaram aos povos que governavam se estavam de acordo em ficar endividados em troca dos 'benefícios' que aí vinham, decidiram eles e os Bancos que ia ser assim.
E 'foi assim' porque convinha ao capital. Já se sabia mas não foi explicado, as condições desse empréstimo, e quem lucrava com ele. Entretanto os tais governos já foram à vida, mas as dívidas ficaram, aumentaram desmesuradamente, alguns Bancos faliram e foi-se buscar dinheiro ao Estado para fechar esses buracos, e agora exige-se que seja a arraia miúda que pague com o seu sangue os juros de agiota do dinheiro que pediram em seu nome! 
A Grécia propõe outra coisa.
Até para poder cumprir as promessas que os anteriores governos fizerem em seu nome!





E eu acredito que vai ser possível.

Cereja

sábado, 4 de julho de 2015

Orgulho ?

Já escrevi em tempos por aqui um post (que agora não encontro) sobre a enorme e, neste caso magnífica, evolução dos costumes em relação à homossexualidade. Na minha infância era tema tabu, e mesmo já bastante crescida até as mentes mais abertas e desempoeiradas, não abordavam o tema em público. Era considerada uma perversão e para as pessoas mais boazinhas, uma doença.
Não existia o termo homofobia, criado pelos anos 70 já eu era adulta. Ora como sabemos, nas sociedades actuais deu-se uma reviravolta completa, e não é o homossexual que está fora da lei e sim o seu perseguidor, o homofóbico. Ser gay, actualmente, não permite a menor discriminação por lei em muitos países - Portugal ainda não permite a adopção embora o casamento seja legal.
Perante isto, é interessante observar as celebrações, desfiles, festas, com muito colorido e alegria dos movimentos gays. Aliás reparar na expressão que se aceita por todo o lado,  gay é alegria. E nada mais alegre do que a bandeira do arco-íris, a sua bandeira.
Compreendo portanto que as nuvens cinzentas que pairavam sobre uma diferente opção sexual há 50 anos e geravam sentimentos de vergonha, tenham sido substituídas, até como desafio, por esta maravilha colorida.
O que me dá que pensar, e realmente penso nisto já há tempos e com mais intensidade desde o último desfile e Arraial Pride é a expressão escolhida: Pride ou Orgulho.
Porquê orgulho?
Creio que inicialmente a palavra tenha surgido em oposição à tal vergonha. Ao «sair do armário», expressão consagrada e feliz para de facto referir a dificuldade em se assumir, a pessoa poderia pensar «eu não tenho vergonha, até tenho orgulho».

Mas nas sociedades onde por lei já não deve haver discriminação, continua a fazer-se periodicamente uma festa, um desfile, arraiais, etc, usando a palavra orgulho. Por exemplo Marcha do Orgulho  ou também Arraial Pride. Claro que não há o menor mal, não é uma crítica o que estou a fazer, mas parece-me com este orgulho de algo de que também não deveria haver vergonha, sublinha-se a diferença e não a igualdade.
Uma pessoa não deveria ter orgulho nem vergonha de ser morena ou loira, de ser alta ou baixa, de ser homem ou mulher, de ser gay ou hetero...
Isto penso eu.

Cereja