domingo, 14 de agosto de 2011

Ir à terra

Pelos meus cálculos e observação directa, acredito que hoje seja o dia onde menos lisboetas estejam por Lisboa. Com o feriado de amanhã mesmo encostado ao Domingo, quem vai para férias partiu ontem para aproveitar este fim-de-semana mais crescidinho, e quem regressa só chega amanhã pelo mesmo motivo mas às avessas...
Ou seja, isto está de uma grande calma, entregue aos turistas (bem-hajam que fazem falta)
E dei por mim a pensar que, como este ano a coisa está mal péssima, tenho ouvido muito a frase de queixa «não tenho férias», «quem é que pode ir para o Algarve» ou outras semelhantes. E é inteiramente verdade.
Mas, um pensamento puxa outro, e veio-me à memória com muita nitidez os meus tempos de infância e juventude. Nessa altura havia menos o hábito de associar automaticamente a ideia 'férias' à ideia 'praia' embora muita gente já tivesse o costume de ir a banhos. Contudo havia também uma parte grande da população que aproveitava esta pausa no trabalho para 'ir-à-terra'.
O certo é que se as grandes cidades - Lisboa, Porto - eram muito povoadas, uma grande percentagem desses tais citadinos não tinha lá nascido, eram de 2ª (ou 3ª) geração, os seus pais vinham de uma terra bem mais pequena. E era um momento muito importante do ano esse em que se podia voltar à origem, regressar «à terra». Além de que (já que se está a pensar em custos) não saía caro porque a casa dos pais, dos avós, dos padrinhos, incluía a hospedagem. Havia sempre camas para todos e a alimentação vinha da horta, da capoeira, da coelheira, dos enchidos pendurados na parede...  E sentia-se o grande prazer de voltar a estar juntos.
Entretanto o mundo girou muitas vezes, tudo mudou. Não digo que não se continue a encontrar aqui por Lisboa muita gente que não nasceu cá. Pelo menos os seus pais ou avós vieram de outro local, mais pequeno, mais característico. Mas o que se passa é que muitas dessas aldeias estão agora meio desabitadas, as pessoas mais activas e jovens emigraram para outros locais e, mesmo que quiséssemos reconstituir esse hábito antigo, ao chegar lá encontrávamos um vazio muito grande. Nada de pessoas das nossas gerações, como havia dantes.
De vez em quando eu converso com adolescentes. Quando pergunto se gostam de ir à terra dos avós, ficam estarrecidos «o quê?! que seca! não há lá nada!» a hipótese é vista quase como um castigo.
Quando era pequena nunca teria pensado que na terra dos meus avós «não havia nada». Encontrava lá tudo o que não havia em Lisboa: passeava muitíssimo, apanhava fruta das árvores, assisti a pintainhos a sair do ovo, via fazer pão, ajudava a regar a horta, andava de burro, ia à fonte, via mugir as vacas, fazia piqueniques junto do rio, brincava com os meus primos que viviam lá... Que dias felizes!
E, sobretudo, encontrava as minhas raízes.
Era muito bom.





Pé-de-Cereja


7 comentários:

cereja disse...

Até me apetece continuar o post em 'comentário'.
É que as recordações que despertei quando escrevi isto não param de chegar... Talvez devesse ter dito que estas maravilhosas férias se passavam no Alentejo, ou seja tenho como som de fundo destas imagens as canções. Que bem se canta lá!!!!

Vítor Fernandes disse...

Se deixarem os putos levar a playstation, o nintendo DS, o plasma para jogarem PM, a net para irem ao FB vai ver que os putos nem se apercebem que foram à terra dos avós. E ovos, bom ovos, é aquela coisa que há numas caixinhas, parece até que são de chocolate, mas que os putos depois de sacarem o boneco jogam fora. Se lá houver no café da aldeia, então aquilo é mesmo Lisboa, foooogo!!!

Joaninha disse...

Já tinha passado por cá mas esta coisa não abria os comentários...
Sinto o mesmo. Claro que hoje ainda se «vai à terra» sobretudo os mais velhos que sempre lá foram. E faz imensas saudades.
Os miúdos é tal e qual como aqui o Victor diz. Ou levam a tralha 'virtual' atrás ou o caldo está entornado.

Joaninha disse...

Esqueci-me de acrescentar que com essa 'tralha virtual' acabam por não ver com olhos de ver toda essa maravilhosa natureza de que falas.

cereja disse...

Olá Vitor/Constantino, que agradável uma visita tua!
E claro que cheio de razão. Isto é uma bola-de-neve do caraças - os pais são tolerantes, os putos exigem, os pais cedem um pouco mais, os putos exigem o resto, e em nome do sossego e de alguma paz, as regras vão ao ar.
É claro que não se pode nem deve exigir que as crianças de hoje vivam como se vivia há 50 anos, nós também temos outras distracções, mas...
É pena esta separação da natureza.

cereja disse...

Ah, e olá Joaninha! Como sempre vens assinar o ponto! 'Brigada!

Zorro disse...

Bem, já vi que chego atrasado!
Isto foi escrito no Domingo e só hoje, terça, é que passo por cá (o ritual antigo - abro o pc, trago um café, ligo as notícias e ... o teu blog! eheheh!)
Também eu meti umas fériazinhas, de três dias...
Identifiquei-me bastante com o que dizes. Quando era puto «ia à terra dos meus pais» e era tal como contas. Muita paródia, reinar à brava com os outros putos de lá, aprendia muita coisa.
Hoje nem passo por lá que aquilo está completamente deserto. Não completamente, mas quase. Um dó de alma...