segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

O monstro branco

Também podia ter chamado a esta história «Ganância injustificada». Porque é uma história que se repete constantemente quer em meios grandes quer em aldeias como aquela de que vou falar. Não é exactamente a fábula do quem tudo quer tudo perde, mas faz lembrar.
A aldeia onde tenho uma pequenina casa, situa-se naquilo a que se chama «área de paisagem protegida». Não é preciso explicação para se perceber que o que lá está não deve ser modificado, e o que for acrescentado deve obedecer a normas muito definidas.
Mas, coisas estranhas se passam nas nossas autarquias, e depois não se estranhe que tenham certa fama. Há regras e... regras.
Conheço pessoalmente quem tenha comprado aqui casa e não tivesse podido alterar nem um prego. A cor da pintura era determinada, branca o que é lógico, mas até mesmo a barra de cor junto ao chão e rodeando as janelas estava definida e seria cinzenta o que já não é tão lógico. Um pouco mais longe o vizinho pintou a casa amarelo gema de ovo, não sei se pagando alguma multa, e lá está a ver-se ao longe.
Esta história tem decerto a ver com a Câmara ter fechado os olhos às suas  próprias regras, mas neste caso parece que isso trouxe azar.
Havia há anos, numa rua pequenina e sem saída para carros, uma zona entre duas casas com uma arrecadaçãozinha. Tão pequenita que uns amigos meus até pensaram em comprar aquele espaço para fazer uma garagem onde pudessem estacionar o carro, coisa muito difícil naquela rua...
Passou-se tempo, aquilo foi vendido, mas esteve em pousio ainda uns tempos (anos?) até que finalmente iniciaram uma construção. Ficamos interessados. O que iriam fazer ali? As casas da rua eram moradias térreas, rés do chão e sótão, ou um discreto primeiro andar.
Quando lá voltei abri a boca de espanto: além da estrutura do rés do chão e de um primeiro andar, que já ultrapassava a altura dos vizinhos, os andaimes seguiam para um segundo andar e ameaçavam chegar a um terceiro. Chamava a atenção ao longe, uma girafa num rebanho de carneiros 😊.
Aquilo não tinha a ver com nada, tirava a vista aos vizinhos além de ser muito feio. Era possível? De quem era o terreno, quisemos saber. A proprietária não vivia lá. Aquela coisa continuava a crescer e a determinada altura, parou. Fui espreitar, e tal como se imaginava cada piso dava apenas para uma divisão, era uma torre difícil de transformar em habitação.
A satisfação de se saber que tinha sido embargado foi murchando, ao ver-se que esse tal embargo tinha simplesmente feito que abandonassem aquilo ao seu destino. Aquelas ruínas de 3 pisos, ficaram assim quase 20 anos. Custa acreditar, mas é como estou a contar.
Certo dia, a bela o monstro adormecida/o acordou.
Diminui-se um andar, acelerou-se o processo, e finalmente ficou pronto. Mas.... surpresa! Depois de pronto, numa zona de paisagem protegida, aparece um edifício de linhas super-modernas. É bonito, eu até fantasio que numa faculdade de arquitectura um professor tivesse dado este problema a resolver como trabalho de fim de curso: "como aproveitar da melhor maneira 10 metros quadrados de terreno". Na maquete ficou giro. 
Na realidade é um monstro, o monstro branco, é todo branco sem telhado e cheio de janelas panorâmicas. Reafirmo que é uma construção interessante, mas... não ali! E aquilo deve deve sofrer da maldição da múmia ou qualquer bruxedo sério. É que estando pronto e acabado e mobilado requintadamente, ninguém lá vive!!! Às vezes pára ali um carro e vão visitar a casa. Até já lá têem ficado uma noite de vez em quando, sempre pessoas diferentes, mas há uns 5 anos que pronto e acabado continua desabitado! É maldição. E é bem feito. Tantas regras e leis não cumpridas, para terem uma casa fantasma.


4 comentários:

Johnny disse...

Faz de facto muita impressão porque estraga a paisagem. Tira-nos a vista por completo!

saltapocinhas disse...

É incrível o que não se pode (ou pode) fazer em zonas protegidas.
A ideia com que se fica é mesmo essa: depende de quem está nesse dia nas câmaras a atender.
E também nas não protegidas: quando fiz a minha casa o muro tinha uma altura máxima (baixinho) mas, um pouco mais adiante e na mesma rua há uma casa com um muro altíssimo.

cereja disse...

Johnny, isso também! Quem tem a casa mais ou menos em frente fica sem nenhuma vista. A vista é só deles e nem a usam ainda por cima. Grrrr!

cereja disse...

Saltapocinhas, é impressionante a distância que as autarquias criam entre os «filhos» e os «enteados». Como disse aqui, até a pintura é de um rigor de exagero nuns casos (os tais meus amigos que tiveram de pintar a barra de cinzento que fica feio e triste) e fecham os olhos a pinturas berrantes completamente desadequadas. A altura do muro que contas também é típico, também conheço um casal que acabou por vender a casa e comprar outra, porque os do lado levantaram um muro (ilegal,claro) que lhes tapava toda a vista. Não houve reclamação que resolvesse o caso.