quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Indiferença


Ensinar um sentimento...? Não percebo bem como é que se faz, mas é claro que falar e treinar para nos colocarmos no lugar dos outros é importantíssimo.
Nos anos que passei no Oriente, observando diversos comportamentos conclui por um estereotipo: os chineses são socialmente insensíveis às desgraças alheias. Por contraposição ao que acreditava se passar nos países de orientação judaico-cristã onde a compaixão era uma virtude. Aliás por experiência própria, alguns acidentes que tive na rua fui de imediato socorrida a ajudada por quem passava, e cuidei que era sempre assim.

Mas ontem esta visão desmoronou-se! Assisti a algo de horrível.
Era cerca de meio-dia e meia hora. Estação de metro do Oriente. Cais com gente, embora não apinhado. Assim que lá chego chama-me de imediato a atenção uma criatura, que oscilava e cambaleava no meio do cais, aspecto de sem-abrigo, não lhe conseguia ver a cara porque caminhava (?) tão dobrado que a cabeça quase lhe batia nos joelhos. Obviamente que naquela posição não podia ver por onde andava nem em que direcção seguia. Fiquei assustada porque o velho que cambaleava imenso podia cair sem amparo, e aproximei-me a perguntar se se sentia mal. Notava-se então que tinha a mão a fazer concha, no gesto clássico do pedido de esmola. 
Insisti, levantando a voz, «sente-se mal? é melhor sentar-se um pouco» mas não se via um lugar onde o velho se pudesse sentar e ninguém se levantava. Insisti, tentando empurrá-lo para as escadas onde talvez se pudesse sentar, mas sou pequena não tinha força para o levar e todos desviavam os olhos. Ainda tirei o porta-moedas para confirmar o que já sabia, tinha gasto todos os trocos num café e não trazia mais nenhum dinheiro, nem uma nota pequena. Ele escapou-se de ao pé de mim, e continuou naquela posição assustadora, não reparando por onde andava, e mesmo junto à beira do cais!!! Voltei a apelar a quem desviava os olhos «Não podem ajudar este homem? Esta estação não tem  um segurança?»  e a única resposta foi uma mulher de meia idade, que me disse «Ele quer dinheiro, não vê?» e outra «Está é bêbado...»
Era tudo verdade. Devia estar bêbado porque o cheiro a álcool era bem forte, e claro que queria dinheiro. E isso justificava que se desviasse os olhos quando o desgraçado até podia cair à linha?!
Continuei a insistir em voz alta «Não há nenhum segurança? Não se pode chama um?» e acredito que a minha voz mostrasse bem a minha preocupação, mas a indiferença era geral.

Chegou o comboio do metro e, cobardemente, entrei nele fugindo. Derrotada. Envergonhada. 
Como não ouvi falar de nenhum acidente de metro, concluo que o meu terror de uma queda para a linha não se realizou, mas como é possível tanta indiferença?!



Cereja

2 comentários:

méri disse...

pois, tens toda a razão, também já senti essa mesma vergonha.

cereja disse...

Desta vez bateu-me tão forte que tive de partilhar aqui.
Achava que não era assim porque das vezes que tenho caído, por exemplo, sou logo socorrida até muito atenciosamente. Claro que não sou uma sem-abrigo alcoólica :(( e decerto isso pesou. Em Macau a indiferença era geral mas para todos, também uma vez desmaiei e recuperei os sentidos sem ninguém me ligar nenhuma....