terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Miséria, ignorância e preconceito de género

A história arrepia qualquer um.
E depois do arrepio de horror, faz pensar. Em poucas palavras um homem deitou o corpo de um bebé, embrulhado em papel, num contentor de lixo . Não é uma ideia parva de um filme de terror, é uma realidade, filmada e tudo. Havia uma câmara de vigilância no local para azar dele.
Acrescente-se que «o embrulho» foi achado com rapidez por uma velhota que o aqueceu e levou ao hospital, e anunciam que 'está bem de saúde'.
No decorrer da história informam-nos que esse homem era o pai da criança, que tinha nascido em casa, com 8 meses, a mãe não tinha feito nenhuma consulta durante a gravidez, nasceu com uma cor estranha, roxa, o que fez os pais pensarem que tinha uma doença grave e fatal e nem valia a pena levá-la ao hospital.
Ah, tudo isto se passa na China. Evidentemente que só sei o que li nos jornais que não é mais do que isto, mas um deles fala em filha, e menina. 
De qualquer modo não se pode ter dúvida de que estes pai e mãe vivem com pobreza, até usaria a expressão na miséria, e têm pouca educação, poucos conhecimentos. E não compreendem o horror do gesto por isso explicam, com aparente ingenuidade, o que fizeram e porquê. Como se fosse um animal, só que hoje em terras do primeiro mundo já não se fazia assim com um animal de estimação que tem direitos por lei... A criança nasceu antes do tempo, pareceu-lhes estranha como receavam e portanto deitaram-na fora, a amostra de ser humano não era viável.
Imagino portanto que fossem pessoas bastante pobres (o nunca terem ido ao um médico é um indicador) e bastante incultas. Contudo, por aquilo que sei do povo chinês, é de uma forma geral pelo contrário, um povo que gosta de crianças, até muito. 
Então como se rejeita um filho, sem tentar nada para o salvar?!
Porque o recém nascido não era um menino, era uma menina. Simples.
Já há alguns anos, falando com uma mulher chinesa muito chorosa por causa do filho, repetiu-me várias vezes a sua pouca sorte porque ele era filho único. Aquele casal só tinha um filho, e ele tinha dificuldades, que desespero. Já no fim da conversa, deixa cair que as irmãs eram espertíssimas. «Irmãs?» perguntei eu «disse que era filho único». Pois era. Rapaz era só ele, o filho, embora também tivesse raparigas explicou-me de modo indiferente.
Esse preconceito de género, que se vê atenuar em países do Primeiro Mundo, é fortíssimo na Ásia. Talvez nos ajude a entender como é possível «deitar-se fóra» uma menina que parece estragada.




Cereja

2 comentários:

FJ disse...

Nem comento. Disseste tudo...
Acho que a explicação é essa.

cereja disse...

'Brigada, FJ! Aquela historieta do desprezo com que falou das filhas em contraste com o modo como referia O FILHO, passou-se comigo, numa escola de lá e sei que foi exactamente assim, mas contavam que antes de nós chegarmos, uma recém parturiente tinha atirado a filha pela janela fóra com a explicação «como é que eu posso apresentar uma rapariga ao meu marido?» E adoravam crianças! Mas este caso, além da ignorância e crenças, é decerto um resultado da pobreza.