terça-feira, 24 de maio de 2011

Malhar em ferro frio

Comecei por dar a este post o título «Bater no ceguinho», expressão particularmente sádica da nossa linguagem corrente, mas achei que não era exactamente isso que queria dizer. Depois ainda escrevi «Voltando à vaca fria....» o que era mais aproximado, mas preferi falar em 'ferro' e a expressão que se usa é 'malhar '. O ferro é muuuito duro e difícil de alterar, sobretudo quando não está quente. :)
Porque, mais uma vez, e pensando no que escrevi aqui num post que ficou já um pouco lá para trás sobre o modo de brincar em meados do século passado [custa-me dizê-lo, mas afinal é o que é: meados-do-século-passado] queria partilhar convosco o meu modo de pensar sobre como podemos viver o difícil momento que estamos a viver.
Aí há uns 30 anos, estava Soares no governo e a moeda era o escudo, o FMI também cá veio 'ajudar'. Numa campanha para nos sensibilizar, usou-se a expressão «temos de viver com o que temos» ou algo de parecido. Ora essa é uma "receita" que era muito usada pelo cidadão comum no pós guerra, mas que desapareceu completamente. Voltar atrás é difícil impossível, e não terá vantagens. Contudo, havia dantes algumas regras de não esbanjamento, digamos assim, que fazem todo o sentido.
'Viver-com-o-que-temos' é ter a noção realista do que é indispensável e o que não o é. É verdade que em dois mil e tal sentimos como indispensável, e é de facto indispensável, confortos que não eram sonhados pelos nossos avós. Para além de um tecto para nos abrigar, uma cama para descansar e comida saudável na mesa, é importante abrir uma torneira e sair água, carregar num interruptor e acender-se a luz, mandar um recado urgente pelo telefone. Mas aprendia-se, quando eu era criança, a fechar a luz quando saíamos de um quarto, não usar mais água do que a necessária, comer a comida que estava no prato. Isto em classe média ou até alta.
Hoje, vejo muitas vezes, caídos na rua bolos com uma ou duas dentadas, deita-se fóra roupa por estar rota, as crianças recebem logo quase logo* os brinquedos que vêem e desejam. Como se vivêssemos numa sociedade de grande abundância (é certo que estimulados por uma implacável publicidade) e sofrendo quando não a conseguimos acompanhar.
A verdade é que andamos a «viver com o que não temos» e a factura irá ser muito pesada se não se mudar urgentemente de mentalidade.

* quando os pais não o podem fazer sentem-se cheios de culpa...


 
Imagem daqui


Pé-de-Cereja

7 comentários:

sem-nick disse...

Já cá volto, mas queria lembrar que não somos só nós que «temos de viver com o que tremos».
Olhem nos estates:
temos de viver dentro das nossas posses diz o Obama.

Anónimo disse...

É uma atitude generalizada neste século.
E fins do século passado...
Há a sensação de que poupar é mesquinho. Mas não é exactamente 'poupar' é tão somente não desperdiçar. Também me impressiona, o que referiste e eu vejo muito (será que vivo no teu bairro e é só aqui que isso acontece???) comida atirada para o chão muitas vezes com uma ou duas dentadas. Às vezes com tão bom aspecto que quase me apetece apanha-la...

cereja disse...

Pois é, meus amigos. Existe a sensação de que é uma mesquinhice, as poupanças pequenas. Por causa das preocupações dos ecologistas já se anda a dar mais atenção aos gastos da água e da energia, mas a verdade é que esse é apenas UM aspecto. Na vida quotidiana, há centenas de pequenos gestos que habitualmente não se fazem porque não há hoje esse hábito.
Talvez seja tempo de voltar a haver!

Mary disse...

Exactamente.
Também me impressiona bastante.
É a lei do prazer imediato: gosta-se, quer-se, compra-se.
E essas coisas de apagar a luz ou poupar a água agora faz-se por «estar na moda» os verdes e a ecologia. Não é uma coisa que se tenha aprendido de criança. Também eu vejo comida atirada à rua, imagino que por crianças caprichosas, mas se calhar nem isso é.

Mary disse...

Mais uma coisa: repararam na batalha do tomate ou lá como é que lhe chamaram? Uma terra lá no norte onde decidiram brincar, como parece que se faz em Espanha, atirando tomates numa espécie de batalha campal. Num mundo como o nosso, com países em África por exemplo, onde se alimentam de mandioca e arroz, deitar um produto como o tomate fora devia ser punido com cadeia!!!!

ZORRO disse...

Ui, ui!
Tema quente, este!
E antipático. :)
Vais ver que se chegarem aqui mais comentadores vais ter muito quem discorde.
Não eu! Plenamente de acordo!

shark disse...

A publicidade é apenas o rosto visível do grande embuste em que o capitalismo se tornou quando tomou o freio nos dentes com a globalização.
E não há dúvida que se o poder mediático influencia opiniões sobre assuntos tão sérios como a governação de um país, mais facilmente podemos concluir que tem impacto directo nas mentalidades da maioria e depois basta o efeito de contágio típico da reacção dos miúdos crescidos (eu também quero) para termos criado o paraíso empreendedor.
O resto faz parte do folclore tradicional da estupidificação colectiva, basta repararmos nos americanos...