segunda-feira, 26 de março de 2012

A cidade e as serras

Nasci numa cidade. Uma capital. 
Tenho vivido quase toda a vida nela, com alguns intervalos de passagem por outras cidades mais pequenas ou, episodicamente, noutra maior. Mas nunca experimentei viver por períodos maiores do que o espaço de umas férias numa comunidade pequena. Ou seja, tudo o que penso sobre isso pode ser – e certamente é – parcial e infundado.
Toda esta introdução é para dar entrada a contar o que sinto neste momento. 
Estive toda a semana passada bastante longe de Lisboa, a viver em casa de uns amigos numa terra que era maior do que uma aldeia mas menor do que o bairro onde eu vivo. Aliás parece-me que toda a população dessa terra devia ser menor do que a do prédio onde vivi em Macau (com cerca de 40 andares e 10 apartamentos por andar…) E senti-me lá bem. Muito bem. Extremamente bem! 
Eu não sei se teria sido capaz de ter feito a opção que os meus amigos fizeram quando, há dezenas de anos, escolheram ir viver para ali. É um facto que sou uma citadina, que estou demasiado habituada às facilidades que uma cidade nos pode dar. Também é verdade que contribuiu imenso para o bem-estar que senti o convívio com esse casal amigo, amigos de infância, amigos de sempre, que falam a minha língua e com quem é um enorme prazer conversar. Seria bem diferente se estivesse ali sozinha e longe de tudo, mas a realidade não era essa. A realidade dessa semana foi o que me pareceu uma maravilhosa qualidade de vida. 
Aquela casa tinha um quintalinho. E, aos meus olhos de citadina, era um deslumbramento perceber que ia comer caldo verde porque a minha amiga ia apanhar umas folhas de couve que migava e punha na panela; ir apanhar uma alface, tomate, rúcula, e fazer salada com vegetais que ainda deviam ter a seiva a correr;  jantar sopa de acelgas também do quintal; a meio da tarde tive sede abanou-se uma laranjeira e fizemos um sumo espremendo as laranjas que caíram da árvore; os temperos todos os que se imaginam, vieram sem excepção dessa mini-horta. E não era apenas a parte alimentar do quintal que era maravilhosa – lá vinham entregar o jornal à porta, vinham deixar o pão, passava um cigano numa camioneta que deixava a fruta, vieram entregar as embalagens de café… E o correio era ao virar da esquina, a farmácia ficava nas traseiras, havia um café na praça a 3 minutos de distância. 
É verdade que isto não era «uma casa na pradaria» porque se condimentava não apenas com uma habitação muito confortável mas com telemóveis, televisão por cabo, e até um acesso à internet não fácil, reconheço, mas possível. Havia um terminal de multibanco na rua debaixo. 
Era em certa medida o melhor dos dois mundo, por isso e escolha está um tanto falseada. 
Mas que senti muito profundamente uma maravilhosa qualidade de vida, impossível de conseguir aqui no meu 3º andar esquerdo, isso tenho de testemunhar. 

Que bem me fez este intervalo de descanso!


Pé-de-Cereja

4 comentários:

Joaninha disse...

Abres-nos o apetite!!!
A foto quando é aumentada é uma beleza!
Compreendo-te muito bem, sabes? Também fui nada e criada numa cidade e habituei-me. Por outro lado tenho a sensação de que tudo aquilo que descreves ( e me fez inveja) é formidável por uns tempos, não sei se um ano e outro e outro, não era demais. Porque por mim também gosto muito da agitação da cidade, do movimento, se calhar até do stress...
Olha, não sei!

cereja disse...

Olá Joaninha!
Tens muita razão no que escreveste.
Eu disse aquilo na emoção do prazer que senti por aqueles dias tão bons e de facto achei a vida do dia-a-dia mais fácil. Contudo também tenho prazer nalguma confusão aqui de Lisboa, e alguma da agitação é estimulante. Por exemplo adoro ir para a «minha aldeia» que refiro aqui muitas vezes, mas porque sei que quando quero volto para a cidade...

Anónimo disse...

A foto está formidável como ilustração do post.
(cheguei aqui pelo facebook)
Acho que está formidável porque está ali tudo, o sossego e a calma, e depois o transporte :) :) Um camponês, de certa idade, de bicicleta é um achado para ilustrar o que disseste :)

cereja disse...

Olá comentador anónimo :)
(realmente deixo o link no fb, e se chegaste aqui deves ser um dos meus amigos facebookianos...)
Sabes que foi de facto um instantâneo e de uma situação invulgar, penso eu. Naquela zona os camponeses andam a pé, como sempre fizeram, e então os mais velhotes ainda mais... Mas é simpático verem-se muito poucos carros (e em movimento ainda menos!) a gente sente logo o ar mais limpo! :)