terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Acusação / defesa têm de andar juntas

Não é a primeira vez que desabafo por aqui sobre o perigo que é escrever na net sobre o-que-pensamos-ser-um-facto e o cuidado com a forma como o redigimos. Porque enquanto um artigo de jornal, segundo a lei da imprensa, pode ser rectificado ou desmentido com um destaque semelhante num número posterior, na net as ondas provocadas por uma informação incorrecta, não voltam atrás. 


Li ontem, no facebook, esta frasehistória de um sem-abrigo português que está a chocar o país e já o título chamava a atenção - «sem-abrigo português», porquê português?! Li-a, e estranhei a foto porque me parecia falta de respeito pela privacidade do identificado. Contava que o homem tinha entrado num café, encomendando uma sanduíche mista e um galão e lhe tinham dito «e dinheiro?» e depois o tinham mandado esperar na rua. Era de arrepiar, e os comentários que acompanhavam a 'reportagem' linchavam verbalmente esse café, exigindo saber o seu nome para o denunciar. Mas alguma coisa me chamou a atenção, porque a foto do homem em questão lembrava-me alguém que eu conhecia, e além disso a porta que se via era de uma pastelaria, em frente do meu prédio, casa que eu conheço há dezenas de anos!


Dei-me então ao trabalho de procurar outros dados. E, com dificuldade, encontrei a versão da acusada que não negando os factos os explica. Este é um bairro um tanto familiar, o sem-abrigo que o não é, é sim um doente mental que toda a comunidade conhece pelos seus gritos «à godzilla» e um rádio que transporta tocando no volume máximo. Não faz mal a ninguém, embora possa ser um tanto aborrecido. A pastelaria em causa protege-o um pouco, mas acredito que em hora de ponta como são as 8:30 da manhã desta história, não se lhe preste muita atenção. E, a famosa rua, imagem que choca por parecer que ele é tratado como um cão, é o passeio com alcatifa sintética e uma mesa, coisa que nem há no interior, onde só há um balcão.

Ou seja, a acção de grande desumanidade - que já chegou à Alemanha, com 50 mil partilhas e publicidade negativa - é um excesso de familiaridade de uma pessoa que conhece outra há 20 anos e utilizou, mal é certo, o tom protector/autoritário que os mais impacientes usam com os doentes mentais. Foi errado sim, mas merecia esta crucificação?
Porque as cinquenta e tal mil pessoas que difundiram a história não vão conhecer nunca o outro lado. E é essa injustiça que a net permite. Não há o contraditório, como os jornais devem fazer.


Ah...? ! Não fazem?


Cereja

Sem comentários: