domingo, 9 de outubro de 2011

«...e o povo não aguenta»

A palavra de ordem é antiga. Quem se lembra de ouvir:
«O custo de vida aumenta
o povo não aguenta” ?
Afinal esta recordação antiga vem relembrar que temos andado desde há muito tempo a sentir apertar cada vez mais o famoso cinto. Claro que quando se cantava esta palavra de ordem, há muitos muitos anos, nem se imaginava que íamos aguentar aquilo que se está a aguentar hoje! Temos aguentado mais, e mais, e mais, com protestos é natural, com desabafos, mas... vamos aguentando surpreendentemente.
Enquanto por muitos países se vai vendo a indignação manifestar-se com maior ou menos veemência, nas ruas, em abaixo-assinados, em movimentos de cidadãos, a revolta vai crescendo como é notório, nós protestamos baixinho.
Não apenas protestamos baixinho como nos auto-punimos. Que a crise tenha esta ou aquela origem, que a gigantesca manipulação das super-poderosas agências de rating seja indesmentível, o cidadão que lê os títulos dos jornais e escuta a primeira notícia do telejornal, sabe logo que «a culpa é nossa»
Porque gastámos mal. Porque a corrupção invade tudo. Porque os gestores são uma lástima. Porque somos preguiçosos. Porque o governo é um capacho da troika. Porque o governo anterior foi uma nódoa.
E é verdade. Infelizmente todas estas acusações são verdade (tirando essa coisa da preguiça, que é muito discutível) e talvez ainda mais um punhado de outras. Em nome da dignidade seria bom que se corrigisse tudo isto. Mas...
...mas o que se passa com as dívidas dos outros países? Deixando de lado os países europeus que estão a cair como pedras de dominó, o que se passa com os EUA?! Não é só agora que eles têm uma enorme dívida soberana, pois não? E no Japão? Grandes países com grandes economias estão a tremelicar como gelatina. Há qualquer coisa de muito errado na estrutura neoliberal.
Contudo o que me levou hoje a escrever aqui no Cerejas foi o reparar no jeitinho que tem a nossa (e não apenas a nossa) comunicação social em assobiar para o ar.
Este fim-de-semana falámos de futebol.
Não acho mal. Quando se anda muito desmoralizado, haver algo que corre melhor é bom. Também fiquei contente com o resultado da Selecção. Mas, valha-me Deus, quando existem  manifestações em Wall Street há uma semana, quando essa onda transborda de Nova York para Washington e Los Angeles, as nossas primeiras páginas falam-nos de politiquices e faits-divers... Aquela imagem podia dar ideias à nossa gente tão ordeira, e desatar a «incendiar as ruas» (??!) como teme o primeiro ministro.
Haja paciência? Ná! Já houve paciência a mais!!!!




(clique na imagem)

Pé-de-Cereja

10 comentários:

Mary disse...

Estas coisas das economias deixam-se numa grande confusão. E isso das «dívidas soberanas» também, não entendo quase nada apesar de já me terem explicado muito bem...
...........
Não percebo como é que a China (e logo a China!!!) compra a dívida Americana..?!
É demasiada areia para a minha camioneta.

Mary disse...

Por cá é claro que era fundamental 'arrumar a casa', gastar naquilo que é prioritário como as questões sociais, ao contrário do que se está a fazer.
Por outro lado é fundamental que os políticos tenham de prestar contas do que fazem e não é só de 4 em 4 anos!!! ( e é quando é!)

Joaninha disse...

(tens escrito muito menos e a gente desabitua-se de passar aqui; se não tivesses o 'recado' no correio não vinha, sniff...)
Este post é um tanto provocatório - deves querer comentários, ehehehe...
É que por um lado dá para pensar que com-o-mal-dos-outros, etc e tal. Ou seja se as grande economias andam em crise, paciência, devem ter outro arcaboiço para as aguentar. Mas também é verdade que as crises deles arrastam a nossa.
Olha, nem sei o que diga.

filipe disse...

não há mistérios. este modelo de organização da sociedade falhou. injustiças, desigualdades, pobreza, fome, guerras - tudo isto é mau de mais para que um ser racional entenda e aguente. o sistema durou bastante, mas chegou ao fim, como aconteceu a outros anteriores. é a vida, é a história. há que partir para outra coisa, o que não se faz com facilidade porque os actuais beneficiários, poucos mas fortes, naturalmente não querem mudar. mas lá chegaremos, qualquer dia, qualquer dia...

fj disse...

O papel dos media em Portugal, fundamentalmente no ocultar, tem sido excepcional.
Bem chamada a atenção.fj

cereja disse...

Parece impossível, eu aqui com 5 comentários e sem ter passado por cá e portanto sem responder... :( 'vergonha'
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Maryzinha, a economia para mim é um mistério dos grandes e também entendo poucochinho dessa coisa da dívida soberana. Só chamei a atenção, talvez para mim própria, que deve fazer-parte-do-jogo se as grandes potências também a têm!

cereja disse...

Filipe
primeiro, um bem-vindo aqui ao Cerejas. É um prazer receber visitas :D
segundo, estou plenamente de acordo com o comentário. É evidente que este ciclo está a chegar ao fim e, como é natural, quem tem ainda o poder ("poucos mas fortes" como dizes) não suporta alterações. Sempre que isso aconteceu na História houve convulsões. Por azar vai ser a nossa geração e a dos nossos filhos que a vai apanhar...

cereja disse...

fj - o poder dos media é impressionante e difícil de lhe fugir. O contraponto que anda a emergir é a net: sites, blogs, twitter, facebook, anda a mostrar outra face da medalha.

Anónimo disse...

A gente tem sempre tendência a analisar o comportamento dos outros e, pior, generalizar... Eu sei que sou assim. Neste caso, o comportamento 'do português' é irritantemente passivo e resignado. O medo do Passos Coelho do 'incêndio das ruas' só poderia funcionar com uma minoria descontrolada (e isso é difícil evitar) mas o conjunto da população vai comendo e calando. Ou comendo e resmungando.
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Hoje o Durão Barroso afirmou que a falência da Grécia seria mais cara do que o seu resgate. Interessante, não?

cereja disse...

Uma outra imagem dos manifestantes de wall street:
AQUI

impressionante, não?