terça-feira, 11 de outubro de 2011

A «casa da Mariquinhas»

As lojas de penhores são, infelizmente, uma 'instituição'. Sempre ouvi referência a isso, de um modo discreto ou por meias palavras que as pessoas tinham vergonha. E os prestamistas, usurários, eram olhados de lado. 

«Entrei e onde era a sala agora está
À secretária um sujeito que é lingrinhas», 

«....às tantas
Vai parar ao "invejoso"... »
Ora bem, nessas alturas de vacas magras - porque elas só engordaram ligeiramente após o 25 de Abril - tudo servia para os penhores. Tudo, mas tudo o que existia numa casa podia ser empenhado. Roupas, móveis, objectos decorativos, louças, tinham um valor e quem estava habituado já sabia quanto é que ia receber pela bengala do avô, pelo serviço de chá da tia, pelo binóculo do tio-avô marinheiro. Recebia-se «uma cautela», e quando se tivesse dinheiro para resgatar o objecto, ele voltava a casa. Ou não, é claro...
Desde há alguns meses têm aparecido que nem cogumelos num bosque húmido, dezenas de lojas com letreiros «COMPRA-SE OURO». Assim, sem mais.
Algumas acrescentam «ouro usado», outras especificam que «pagam a pronto», e há quem explique que «paga a dinheiro». Já não é a versão de penhores, é mesmo puro e duro, a compra de bens.
É um grande barómetro. Referido assim, como «o seu ouro», fala-se da reserva bancária das pessoas mais simples. Ainda pouca gente tinha conta no banco, e já se passava de avós para netas um cordão de ouro, a herança da família. Essas jóias, brincos, pulseiras, medalhas e sobretudo cordões, eram divididas pela família quando falecia uma avó. Ou eram recebidas em datas importantes, casamentos, baptizados.
Quando hoje vejo rua sim, rua não, balcões onde se «compra ouro» sinto um nó no estômago. Não, eu não tenho «ouro» para vender, dois ou três anéis com mais de 100 anos, se têm um enormíssimo valor sentimental vendidos a peso é menos que nada. Não falo por mim. Mas se essas lojas abriram é porque lhes vale a pena pagarem o espaço. É porque existe quem esteja em desespero a vender aquilo que os avós lhes deixaram com tanto amor.
Sinto um grande peso no estômago sim.



Pé-de-Cereja

4 comentários:

Anónimo disse...

Quando era um balcão ou dois nem chamava a atenção, mas realmente tornou-se uma epidemia.
Triste.
Tristíssimo.

Mary disse...

Enquanto houver o dito ouro, a coisa vai.
E depois?...

Mary disse...

Mas também me faz impressão essa do «ouro usado».
Mas iriam comprar assim, avulso, jóias novas?! Compravam aos colegas joalheiros? que coisa esquisita!

Joaninha disse...

Foi bom ouvir as cantigas (o que nos vale são as cantigas, quando não nos deixamos levar por elas...) :)
Sabes que já me tinha chamado a atenção essa quantidade de balcões. Até porque eles são muitos vistosos, em amarelo berrante, para chamar bem a atenção. Contudo não tinha feito a reflexão que fizeste, são uns «penhores» que não são penhores...
Até quando?!