terça-feira, 22 de outubro de 2013

Um fenómeno (?) cada vez mais vulgar

A semana passada comprei e li um livro novo.
Muito interessante. Remeteu-me para outro que já tinha lido há anos e fui buscá-lo à estante. Lá estava, bem lido e sublinhado: Da Criança-Rei à Criança Tirana  Tinha já passado algum tempo entre a leitura dos dois mas o tema estava actual e talvez cada vez mais. E o adjectivo até era o mesmo "tirano". Tirano é um déspota, um opressor... Nada mais oposto à imagem da criancinha angélica com que muitos pais sonham ou, enfim, ao pequeno diabrete que faz uns pequenos disparates que até nos podem fazer sorrir.
Nada disso.
Qualquer destes dois livros trata de um problema muito diferente, de uma completa inversão de valores familiares, uma situação onde os filhos detêm de facto o Poder e exercem-no ou com chantagem ou até simplesmente com autoridade, de um modo absoluto. Não faz sorrir nem tem graça nenhuma. O problema existe e é preocupante. 
No caso do livro que li mais recentemente, (o outro estou a relê-lo agora) o autor Michael Winterhoff desenvolve uma teoria interessante: no nosso cérebro surge primeiro uma 'célula nervosa relativa ao objecto', ou seja quando somos muito pequenos reconhecemos objectos como empecilhos aos nossos desejos, mas que podem ser removidos. Ele dá como exemplo a cadeira no caminho do bebé que gatinha, pode ser removida sem qualquer dificuldade, é reconhecida como objecto. Mas, se no caminho estiver uma pessoa a reacção é diferente, tanto pode pegar-lhe ao colo como fazê-la voltar para trás, e a criança acaba por activar a 'célula nervosa relativa à pessoa'. Os objectos não tem vida e podem ser tratados mais ou menos à bruta sem reacção, mas as pessoas que rodeiam a criança têm reacção e, se não existir uma relação simbiótica, contrariam de vez em quando a vontade da criança. Ela assim aprende a sentir limites, perceber a diferença e respeitar a pessoa enquanto tal. Reconhecê-la como sua igual.
O grave é quando tal não acontece. Crianças pequenas, e depois mais crescidas, e depois adolescentes, e finalmente jovens adultos ou adultos plenos, que nunca foram controlados e continuam a ver os outros como objectos. Do ponto de vista do desenvolvimento afectivo, pararam - ele usa o termo "estagnaram" - nos 3 anos de idade. Um egocentrismo avassalador porque houve um estádio que nunca foi ultrapassado, o resto da sua inteligência é normal mas o mundo é que se tem de moldar à sua vontade e desejo porque é assim que eles o vêem, os obstáculos tem de ser arredados do caminho sem a menor auto-crítica, porque tal seria reconhecer os direitos dos outros coisa que não conseguem fazer. Não aprenderam na altura certa.
O livro é facílimo de ler até porque está recheado de imensas histórias e observações efectuadas nas suas consultas, apontamentos recolhidos durante uns 20 anos. Casos iguaizinhos a muitos que conhecemos.
Vamos pensar um pouco nisto, porque cada vez é mais difícil pôr um travão nestas crianças/jovens que 'estagnaram' emocionalmente e isto acaba por se tornar um vírus social, na minha perspectiva.
Mas ainda há muito para dizer, o que vai ficar para outro post.


Cereja




5 comentários:

FJ disse...

Giríssimo e verdadeiro, julgo.

Joaninha disse...

(ai, ai, é a 2ª vez que escrevo o 1º comentário fugiu!)
Muito oportuno este post. Fico à espera de mais que o tema é muito importante e vi que ficaste com muito para dizer.
Cada vez vejo mais meninos insolentes, que não dominam a mais normal formula de cortesia ( o por-favor ou o obrigada, ou Bom-Dia, por exemplo )e nos falam de um modo arrogante e agressivo. Que fazem birras descomunais à menor contrariedade. E os pais muitas vezes desculpam «são crianças...». Pois são, por isso é que devem ser educadas!

méri disse...

Pois agora percebo porque os adultos, jovens e menos jovens,que nos governam nos consideram os portugueses "coisas", de preferência (ia dizer a abater...)que lhes saiam da frente - o desenvolvimento afetivo, humano estagnou nos 3 anos... e nem quero pensar como educam os filhos!

cereja disse...

Olá FJ, 'brigada!
Joaninha, realmente ficou muito para dizer, acho que vou escrever uma série de posts sobre este tema. por um lado interessa-me muito e por outro lado tenho agora "frescas" uma série de ideias :)))

cereja disse...

Ai Méri, infelizmente também me parece, e como eu e os tais especialistas dissemos não há idade limite para esta "patologia" digamos assim. Começa-se a ser uma criança tirana e é-se um adulto tirano, é claro.
:(