segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O elogio da paciência





Acabo de ler um anúncio - um daqueles anúncios "tapa-texto" que gostemos ou não temos de suportar se quisermos ler um jornal on line... -  que oferece: "Para os que não aguentam esperar" etc, etc.
Se a publicidade, que sabe muito bem o que faz, escolhe um texto onde apela a "quem não aguenta esperar", é porque vai tocar numa corda importante. (recordo-me de outro anúncio, há alguns anos, que dizia "Querer é Ter", era de um Banco, claro!) É porque há uma enorme percentagem de consumidores que reconhecem que "não-aguentam-esperar". Pois há!
As pessoas que andam à volta das questões da psicologia sabem que "a satisfação do prazer imediato" é, ou pode ser, mau. Desejar seja o que for, e obtê-la de imediato, dá gosto é verdade, mas um "gosto pequenino", que se desfaz num ápice como o algodão-doce com que nos lambuzávamos na nossa infância. E que cria um hábito ou uma expectativa que vai contaminar os outros desejos, cada vez mais se vai querer que diminua o tempo entre o 'querer' e o 'ter'! E a frustração cresce a um ritmo alucinante... Quantas vezes ouvimos "se não é para agora também não quero!" na queixa de uma criança ou na resmungadela de adulto...?
A frase daquele anúncio deixou-me a pensar porque ainda este fim-de-semana eu e uns amigos falámos da galopante incapacidade de esperar que a nossa sociedade anda a promover, e como isso ataca a educação das crianças assim como a capacidade de resistência à frustração. A necessidade de ter "tudo e já!" que agora parece estar a ter uma quebra graças (?) à crise económica.
Que me perdoem a heresia, mas esse aspecto é o único que vejo como "fogo amigo" do pesadelo desta crise - o reaprender-se a valorizar a espera, assim como aproveitar-se tudo como faziam os nossos pais.
Quando se deseja alguma coisa, o 'tempo de espera' entre a ideia nos ter ocorrido e a sua concretização é um tempo privilegiado. É o sonho. Desejo um brinquedo e imagino como vai ser, o que vou sentir quando o tiver nas mãos, como vou brincar com ele, saboreio tudo na minha imaginação. Gostava de fazer uma viagem, e penso que transporte é possível, onde vou ficar, o que vou ver, que tempo fará, planeio-a... Preciso de um móvel para casa, e vejo em várias lojas, imagino onde o vou pôr, talvez até mude o local dos outros, sonho com isso.
Essa emoção intermediária entre o desejo e a sua concretização, o saborear antecipadamente o prazer, é excelente. Nem todos o vivemos do mesmo modo, e as crianças devem ser ensinadas a aprender o gosto disso, mas acreditem que vale a pena.
E os pais que ingenuamente oferecem de imediato aquilo que os filhos pedem sem os ensinar a esperar, sem lhes mostrar como é bom ter paciência, não entenderam que lhes estão a roubar um importante direito - o direito ao sonho!

Cereja




4 comentários:

saltapocinhas disse...

e estão também a criar criancinhas sem nenhuma tolerância à frustração...

Joaninha disse...

(oh que raio, enquanto fiz uma pausa o meu comentário sumiu!)

Joaninha disse...

Bom, tinha dito de minha justiça mi ou menos isto:
Sei qual o anúncio de que falas, é de uma companhia de aviação. E cá está, essa é das coisas que ali referes como tendo vantagem em ser bem planeada e não feita por impulso!!!
O que penso é que nestes casos os pais não podem ensinar o que não sabm; actualmente muitísima gente não aguenta esperar por nada, como escrevste tem de ser AQUI e JÁ! E se tal nao acontece sentem-se infelicíssimos...

cereja disse...

É isso mesmo Saltapocinhas. E com certeza com a tua experiência, que os encontras frequentemente, muito infelizes sem saber como dar a volta às dificuldades. Não sabem esperar.