domingo, 12 de maio de 2013

Para além das palavras

Com a situação actual que nos tem abanado brutalmente, comecei a pensar como atrás do abanão económico vem a nova aprendizagem de mentalidades. Difícil. Mudar profundamente nunca se faz da noite para o dia mesmo que seja para redescobrir novas formas de pensar. E, sobretudo, é ainda mais difícil quando vai ao arrepio do que se aprendeu em criança.
A actual geração de adultos nasceu com (ou um pouco antes, ou um pouco depois) o 25 de Abril. Que foram anos de folga económica não apenas em Portugal, mesmo no resto da Europa promovia-se o consumo. Certas profissões que se baseavam na reparação de objectos quase desapareceram porque se algo estava estragado substituía-se por um novo. E toda a gente procedia assim! Recordo quando há vinte e tal anos, recém chegada a Macau, perguntei a uma local se sabia de um sapateiro, a sua expressão de espanto e desdém Olhou-me como se eu fosse uma sovina mesquinha "Quele arranjale sapato?! Eu deito fóla!!!" - a surpresa da minha mesquinhice aos olhos de alguém que ganhava mal!
E foram muitos anos assim. Gerações de crianças que pediam "compra-me" e não o mais antigo "dá-me", porque sabiam que o que desejavam vinha de uma loja. E quando apareceram os ATMs, pediam para ir buscar ali dinheiro como quem vai buscar água à fonte - daquela caixinha saía dinheiro. O consumo era furiosamente estimulado e "parecia mal" aproveitar-se. Se está estragado deita-se fóra, se está velho deita-se fóra, se é novidade compra-se logo. E foi toda uma geração educada deste modo.
Agora quer-se inverter a marcha. Mas nem sabem como, porque 'o truque' não é comprar mais barato, mas não comprar de todo e aproveitar-se o que se tem. A palavra já tão gasta do poupar deve ser trocada por aproveitar. Não apenas a comida porque isso é uma evidência, mas tudo o que usamos! 
Aproveitar
Os restaurantes já têm caixinhas para se trazer para casa o que sobrou das travessas. Vemos por aí balcões de costura, para aproveitar a nossa roupa que não está bem. Passamos livros de mão em mão. Voltou-se a mandar arranjar aparelhos estragados porque é "um pouco" mais barato do que comprar novo. É toda uma mentalidade que se está a formar.
Já encontrei um retroseiro onde uma senhora ainda sabe como se viram os colarinhos e os punhos das camisas e já lá deixei umas.
Aproveitar. Como no tempo do pós-guerra. Porque esta guerra é feroz e com vítimas mortais. 



Pé-de-Cereja 

7 comentários:

meri disse...

ah! pois é!
Acho que para a nossa geração (tua e minha) é mais fácil pois "viemos" de antes do 25 de Abril. Sempre tivemos o espirito de aproveitar, mas, realmente, muita coisa saía mais barato comprar novo... agora já não.

Por falar nisso: este ano esqueci-me dos teus anos, - parabéns atrasados :) - estava a passar um momento menos bom, mas já passou

Joaninha disse...

Ah pois é!
Tenho pena que seja por estes motivos, mas não me parece nada mal que se re-aprenda a aproveitar. E dá-se mais valor ás coisas.

Bom Dia Méri. (quem usa o dedal e agulha tão bem, deve entender estas questões de costura :D :D :D )

cereja disse...

Bom Dia Méri! É isso que queria dizer, a aprendizagem que na nossa geração se fez marcou-nos bastante. e a aprendizagem que a geração post-25 de Abril fez, também a marcou bastante. E nem quer dizer que foi apenas (apenas???) pelo 25abril, porque foi uma onda europeia. Por todo o lado se glorificava o consumo, não fizemos muito diferente dos outros...
Ou seja, se aquilo que aprendemos nos ficou, aquilo que os nossos filhos aprenderam infelizmente também ficou. Daí a dificuldade de inverter o sentido do transito... :)

cereja disse...

Ah, essa coisa dos parabéns!!! :)))) Já te mando um email! Beijinhos!

cereja disse...

Joaninha, é também o que penso: o lado bom é que se aprende a dar mais valor ao que se tem. Mas é muito chato que seja por este motivo!
Aliás hoje não se diz "aproveitar" como aqui escrevi, é Reciclar. OK, OK. É linguagem moderna para um conceito antigo :)

fj disse...

Pois pois, estamos em guerra, morna, para já... fj

cereja disse...

Mas é mesmo guerra, fj. Guerra económica. Já desencadeada. E para a "outra" já faltou mais...