Esta 6ª feira assisti a um colóquio na Gulbenkian, com o nome de "Mobilidade social e desigualdades em tempo de crise" promovido pelo Monde Diplomatique e o CES. Diz-se tanta coisa hoje em dia, a informação que corre por aí é tantas vezes 'adaptada' às nossas ideias preconcebidas, que sempre que posso gosto de ouvir quem sabe mais. E foi interessante. Foi muito interessante para mim ouvir falar do fenómeno vozes não-portuguesas, que estudavam a crise duma perspectiva não nacional.
E achei muito curioso saber que um dos factores que tem atenuado um pouco a violência desta horrível crise económica é a existência nos países do sul de uma tradicional solidariedade familiar. Foi lá dito que nesse aspecto Portugal vai muito à frente, à frente até da Itália que também apresenta valores elevados dessa solidariedade (mas foi lembrado que a Itália são 3 países: a Itália do sul onde esses valores são fortes não tem nada a ver com a do norte e talvez nem a do centro...) e esse factor explica porque é que as vítimas do pavoroso desemprego ainda resistem - porque se abrigam sob o tecto dos pais.
Sabemos isso. Há 100 anos ou mais, quem não tinha bens nem vivia de 'rendimentos', sabia que os seus filhos eram o seu seguro de reforma. Uns pais com vários filhos, ao chegar a velhos tinham a confiança de que teriam abrigo e alimentação junto deles. A tal parábola do pai muito velho que é levado pelo filho para morrer longe e corta ao meio a manta que este lhe ia deixar, era bem sentida. Ninguém aceitava essa imagem.
Mas deu-se uma reviravolta social de 180º. Já não são os filhos adultos que apoiam os pais e sim os pais que ajudam os filhos crescidos e até os netos, com aquilo que ainda têm. Quem corta agora a manta ao meio para tapar o filho do frio, é o pai velhinho.
Ou seja, esta fúria cega contra os aposentados (que nada produzem, dizem) é uma pedrada que pode vir a ter um ricochete inesperado. Esse auxílio do mínimo dos mínimos - a metade da manta - que os velhos desta terra ainda podem prestar às pessoas que amam, pode desaparecer.
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E depois?
Quem pode prever a continuação?
Pé-de-Cereja
7 comentários:
Esta sanha contra os reformados, parece uma espécie de vingança.
A verdade é que a reforma foi dinheiro que ao longo dos anos se foi descontando para este fim. E se "nivelassem" por baixo as grandes, enormes reformas??! Já que é em nome da igualdade que andam a nivelar, os senhores gestores que ganham dezenas de vezes o smn, ficavam aí com os 1500 € que parece já ser um luxo. Pronto, ficavam com essa reforma de luxo e não se fala mais nisso...
Tens razão, comentador "anónimo" (podias deixar um nome, no sítio onde diz nome)
Nivelar as reformas era muito atrevido mas...
Os tipos das tais reformas doiradas dizem que descontaram. OK, mas os outros também! E, de facto baixar até um nível "decente" que não fizesse ninguém passar fome, mas não permitisse nenhum luxo. Mas isso era difícil. Contudo, se tirarem 10% já é muito, numa dessas reformas.
Mas Portugal também não é todo igual, Cereja. Há zonas onde a solidariedade familiar se apoia na familia alargada, incluindo tios e primos, como aqui no Norte e zonas como Lisboa em que a célula familiar é bem mais atomizada. Quanto ao resto, eu só vou já pensando que são mais dois anos com loucos alucinados à frente da barca naufragada e que, com sorte, talvez sejam atirados borda fora numa qualquer revolta da Bounty.
Pois não, Hipatia. Aliás estou convencida da grande diferença que ainda se vê entre cidades mais ou menos grandes e o resto do país. Por exemplo, o apoio que os avós podem dar ao tomar conta dos netos evitando os famigerados ATLs, (o que seria excelente por várias razões ) muitas vezes não pode funcionar pelas distâncias. Não é viável quando se tem de tomar 2 ou 3 transportes...
E as famílias estão a ficar tão magrinhas... Tanta vez que há 4 avós para um só neto. Nada de tios. Nada de primos, Vejo isso muito à minha volta. ;(
E' muito muito triste. Os portugueses resistem muito, aguentam muita machadada, mas pergunto-me quanto mais ainda poderão resistir, quando sinto o país, de uma maneira geral, já de joelhos.
Ainda andas pelo "estrangeiro" snowgase?
É realmente um desespero. Para mim nada é pior do que o flagelo do desemprego. É que bate por dois lados, o lado friamente económico, o mais visível e mais grave, mas também o lado psicológico. O não-se-ter-nada-para-fazer é horrível! Vejo jovens deprimidos, sem vontade de sair da cama, desmotivados com tudo, depois de terem estudado, enviado curriculos às toneladas, já nem pedirem um trabalho minimamente interessante, mas apenas TRABALHO.
Não estou habituada a isto!!!! Sou sempre a primeira ou segunda a comentar e já tenho uma medalha e tudo!!!! Como é que deixei ultrapassar é que me deixa parva :D
OK!
Não soube dessas conferências a não ser a posteriori, porque andam por aí as conclusões do Boaventura. Mas deve ter sido interessante sobretudo por aquilo que dizes - sair fora dos círculos dos "faladores" habituais para que já não tenho sombra de paciência!!!
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É carinhoso e verdadeiro essa coisa do apoio familiar. E, confirmo que é muito do sul da Europa. Tenho vários amigos de países nórdicos onde se vive incomparávelmente melhor, mas essa função é da sociedade. Acho que até sentem como que uma violação dos direitos de individualidade de cada um, a família meter-se nisso.
Modos de pensar.
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