domingo, 18 de maio de 2014

Debaixo da asa




Como todos os dias chovem "estudos" sobre tudo e mais alguma coisa, alguns que fazem rir à gargalhada, outros que irritam por ir contra o mais simples bom senso, e muitos completamente neutros que não aquecem nem arrefecem, muitos de nós - e falo já por mim - habituamo-nos a ler em diagonal o que lá vem. Mas de vez em quando aparece um que nos agrada não só (não só mas também) por vir de encontro àquilo que pensamos mas ainda por estar fundamentado. Encontrei hoje um  importante estudo efectuado a um milhar de alunos de 16 escolas de todo o país onde se confirma os baixos níveis de independência de mobilidade que têm as nossas crianças. Quem já tem várias décadas sabe bem como era a sua autonomia  quando era criança. Claro que havia regras e bem firmes, a criança tinha muito menos «poder» do que hoje em dia, mas circulava livremente e sabia como fazer. Ia para a escola sozinha, fazia recados, ia até à casa dos amigos brincar e voltava, quando já eram horas, para casa pelo seu pé. Aliás era chamada à responsabilidade se o não fizesse.
O mundo está muito diferente.
Está. 
Há hoje perigos que não existiam dantes.
É certo.
Mas a ponto de justificar «os baixos níveis de independência de mobilidade entre as criança» que o estudo observou «devido ao excesso de zelo dos seus pais»? Mesmo ao fim-de-semana «a principal actividade realizada entre pais e filhos é a ida às compras (!!!?) seguida da ida à casa de um familiar ou adulto».
O que este estudo refere, e sublinha aquilo que oiço constantemente, é alguma desproporção entre a realidade do dia a dia e a imagem hipervalorizada que nos dá a comunicação social de alguns, sem dúvida graves, acontecimentos. É horrível saber-se de uma criança que foi atropelada, que sofreu um acidente, ou desapareceu. Um horror, um pesadelo. Mas é uma percentagem diminuta, são situações extremas. Aliás nalguns casos até se verifica que foi o menino que se soltou da mão do adulto e correu para a rua...
O antigo conselho de que é muito melhor ensinar a pescar do que oferecer um peixe encaixa muito bem nestas situações.
Ouvi no outro dia uma história interessante. Uma menina estava à espera da mãe em determinado local. Aproximou-se alguém, que até podia ser conhecido, que lhe disse "Olha, a tua mãe não pode vir  mas pediu-me para te vir buscar" ao que a criança calmamente perguntou "Qual é a password?". Simples e moderno. Uma palavra secreta que, se vier da parte dos pais, essa pessoa deve conhecer. Ou 'programarem' bem as crianças para andar na rua, quase em reflexo condicionado à Pavlov: se pode andar pelo passeio, se atravessa na passadeira, de preferência com mais pessoas. Se esse comportamento estiver automatizado, não largará a mão do adulto para saltar para a rua, ao contrário se sentir a mão como 'uma prisão´ até o pode fazer! Ensinar a auto-defesa (a pescar) é bem mais importante do que protegê-la (dar-lhe o peixe e sem espinhas...)
E o estudo também refere o pouco que as crianças andam a pé. Mesmo que a escola esteja a 10 ou 15 minutos de casa, vai de carro. Mesmo adolescentes, já vi apanharem um autocarro para a mesma distância que eu em criança percorria todos os dias a pé! É um hábito, claro, mas estimulado por essa protecção excessiva na infância. Ainda no outro dia ouvi uma avó a gritar a um rapaz dos seus 8 anos numa rua sem trânsito "Não corras! Podes cair!" ... e se caísse?!
Não, não quero voltar atrás ou pretender que no-meu-tempo-é-que-era, mas era sensato repensar algumas das atitudes educativas dos pais de hoje. E parece que alguma coisa começa a mudar... Porque a independência de mobilidade não se deve perder.

Cereja



2 comentários:

Anónimo disse...

Bem visto!
É verdade que hoje há muito mais perigos e tem de haver mais cuidados mas como dizes em muitos casos exagera-se. E o excesso de protecção não lhes dá defesas!

cereja disse...

É o que penso, anónimo das 15:43 :) e pelos vistos o estudo de que falo dá-nos razão!
...........
Conheço casos quase patológicos.
Numa escola, a professora com os seus alunos a um supermercado fazer compras para depois fazerem um bolo. Digamos que era uma acção que cruzava o Estudo do Meio, com Matemática, com Língua Portuguesa, com Trabalhos Manuais, etc. uma prática inteligente. Quando a mãe de uma das alunas soube ia tendo um ataque. -Tu foste À RUA???!!! e de nada serviu explicar que tinha ido bem acompanhada, para aprender várias coisas. Ia desmaiando de pânico. Esta história é verdadeira!!!