Hoje acordei bem disposta.
O dia desta vez estava bonito, um pouco fresco mas havia sol, e eu sou estupidamente influenciada por estas flutuações sol/chuva. É véspera do 25 de Abril, e desde há 40 anos o dia que era importante para mim por motivos pessoais, deixou de ser uma data 'caseira' e passou a ser «O» 25 de Abril. E este ano, não por ser um número redondo mas devido à conjuntura, apetecia-me comemorar sobretudo na rua, com a multidão que acredito (acreditava?) sentir o mesmo que eu.
Precisei de ir à farmácia logo de manhã cedo.
Já havia vários clientes, idosos, com ar resignado. Uma senhora de aspecto simpático, refilava com a senha que tinha tirado, que de facto não estava na sequência devida, mistérios das máquinas que às vezes têm caprichos. Trocámos sorrisos. Ela entretanto encontrou uma conhecida e falou-se que amanhã era feriado. E rebentou o dique - que para ela não devia ser feriado, que hoje se devia chamar dia da saudade, que dantes era bem melhor, e ia repetindo "temos liberdade, isso é, mas é só isso" e pouco depois voltava "só ganhamos a liberdade" e em seguida "tirando a liberdade estamos pior em tudo"... etc. E ninguém se lhe opunha.
Já havia vários clientes, idosos, com ar resignado. Uma senhora de aspecto simpático, refilava com a senha que tinha tirado, que de facto não estava na sequência devida, mistérios das máquinas que às vezes têm caprichos. Trocámos sorrisos. Ela entretanto encontrou uma conhecida e falou-se que amanhã era feriado. E rebentou o dique - que para ela não devia ser feriado, que hoje se devia chamar dia da saudade, que dantes era bem melhor, e ia repetindo "temos liberdade, isso é, mas é só isso" e pouco depois voltava "só ganhamos a liberdade" e em seguida "tirando a liberdade estamos pior em tudo"... etc. E ninguém se lhe opunha.
Depois disso precisei de ir comprar fruta e pão e enquanto esperava na bicha da caixa ouvi o eco da conversa da farmácia. Tal e qual. "Ganhamos a liberdade, mas para que serve?" Duas pessoas primeiro e outras depois, dizendo quase o mesmo - o único lucro da revolução dos cravos era a liberdade, mas isso não se come nem paga a renda da casa.
É verdade, agora já chove de novo, talvez por isso perdi a animação com que acordei.
Mas o que devia ser explicado, e eu por timidez não consegui dizê-lo àquelas pessoas, é o que nos disse o Sérgio há muitos anos - não há Liberdade a sério sem justiça social, sem as condições básicas de vida garantidas.
Por isso há tanto desânimo. Falta tudo quase tudo o que garante a verdadeira liberdade.
5 comentários:
Este comentário está a custar a entrar!
Dizia eu que realmente a liberdade não dá de comer nem paga, por si só, o essencial para se ter uma vida digna. Também eu vou para a rua amanhã dada a conjuntura, pois não estamos melhor nem vamos ficar melhor, com este governo nem com os politicos que vieram todos dos jotinhas, muita falta de cultura de todos, muito cheios de si e dos poderes que têm.
um xi-coração para ti antecipado :) xxxxx
Sabes Méri que é das coisas que também me incomoda, a arrogância de quem nem sabe que não sabe!!! Ainda há pouco deixei um comentário no face de uma amiga, sobre isso, que também se encontra muito lá - a falta de cultura geral, da mais comezinha, em pessoas que pelos seus cargos tinham obrigação de mostrarem alguma cultura.
Todos os anos participo um pouco no desfile de 25 de Abril, mas este ano mesmo que me canse vai saber-me bem estar perto de quem sente como eu, e vou participar em tudo. Que isto está MUITO difícil é óbvio, mas para inverter a marcha os nossos políticos tinham de colocar o interesse geral bem acima do seu pessoal, enqanto vemos que é o contrário que se faz!
....
Muito obrigada pelo xi, outro para ti e família.
O que faz mais pena é que estivemos bem mais perto...
Em 75 ou 76 tudo parecia ao nosso alcance. Foi a alfabetização o serviço nacional de saúde, a reforma agrária de que agora se faz troça mas conseguiu cultivar muitos campos abandonados. Passos gigantescos mas depois também recuos gigantescos. e a Liberdade era isso.
Eu tenho um sobrinho que, ao contrário da tia, dos pais e dos avós, nasceu em liberdade, por mais mirrada que esta nos pareça hoje. Por ele, não importa se faz sol ou faz chuva, valeu bem a pena o que foi feito há quarenta anos, vale bem a pena o dia de hoje: é que os que lá estão não vão conseguir durar quase meio século e, ao contrário da história antiga, hoje e porque houve Abril, não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe.
A liberdade serve para podermos dizer que estes políticos não a merecem. E sem liberdade, eles continuariam a não a merecer, mas este comentário não poderia ser escrito. E isto é o princípio mais básico e fundamental da liberdade, cuja importância parece ser frequentemente esquecida.
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