quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Bom senso ou mesquinhez

Este fim-de-semana, li na Revista do Expresso, num apontamento chamado "Oito da Manhã", esta frase de Eduardo Barroso «Ainda me dá prazer operar. Embora a minha grande responsabilidade hoje seja garantir que com a minha retirada tudo continue a funcionar normalmente e, se possível, com melhores resultados. Atrás de mim virá quem melhor fará»
Tão natural este pensamento que nem mereceria referência. Simples Bom Senso. Uma pessoa que prevê retirar-se, se for conscienciosa, facilita a sua futura substituição. Lógico (?)
Mas a frase bateu forte numa das minhas piores recordações.
....................

Embora actualmente o problema assuma umas proporções inimagináveis uma vez que o Estado não admite quase ninguém para substituir quem se reforma, já há bastantes anos que se fazia sentir essa situação. Acontece que quando, olhando para os meus anos de trabalho e para a minha idade, conclui que já podia pedir a reforma meti toda a papelada necessária para a 'contagem-de-tempo-de-serviço' e tive o cuidado de de informar a minha chefe hierárquica de que o tinha feito. A resposta foi muito distraída, talvez um «ah, sim?» sem mais conversa. Eu sabia que estas burocracias são demoradas, mas tive o cuidado de, passado algum tempo, insistir «Dra ***** já pensou quem me pode substituir quando eu sair? Eu podia ir tirando algumas dúvidas...» mas ela mudou de assunto. Uns meses mais tarde voltei a insistir na conveniência de, mesmo parcialmente, alguém ficar por dentro do meu trabalho, mas ela mostrou-se enfadada com o assunto - tinha outras coisas em que pensar...

Um ano depois, recebi uma carta do Serviço de Pessoal informando que eu passaria à reforma no final da semana - e até com bastante tempo a mais do que o necessário! Por boa educação, bati à porta da minha chefe e declarei «Dra ***** como já deve estar à espera - disse com um sorriso - recebi o meu papel da reforma, já não venho para a semana». A mulher, desta vez ouviu e deu um berro «O quêêê?! Nem pense! Não lhe dou a reforma!» Eu nem acreditava no que estava a ouvir. Não me dava??? Ela? Mas 'dava' o quê? Voltei a explicar que o processo estava concluído, quem me pagaria agora era a CGA, eu já não estaria ao serviço na segunda-feira. «Não posso! Não deixo! Então quem vai fazer o seu trabalho?!» Sentia-me num filme, perante uma pessoa louca. Assustada, relembrei «Eu ando a chamar a sua atenção desde há um ano! Não se recorda as vezes que insisti para me deixar preparar alguém para continuar o meu trabalho?»

Até aqui, parecia uma conversa de surdos, ou com uma pessoa completamente desmemoriada. Mas a resposta, de gafanhotos a saltar, profundamente ofensiva, uma verdadeira bofetada, deixou-me estarrecida e a conter lágrimas: «Mas o que é que queria? Ganhar o ordenado e ter uma pessoa que fizesse o seu trabalho?!» Respirei fundo: «Não, Dra *****, queria alguém a quem preparasse e continuasse agora o meu trabalho. Mas hoje já não me preocupo com isso. Felizmente»

Concluindo, como adivinham, dois dias depois saí com abraços e beijinhos de toda a gente e um grande almoço de despedida, mas nem voltei a bater à porta da parva. A mesquinhez do insulto feriu-me muito fundo, a mim que pensava antes de mais no serviço.
Que, como adivinham, acabou. Com a minha reforma feneceu de morte natural...

R.I.P.




Cereja

Sem comentários: