A velha ideia do Sartre, posta em cena em Huis-Clos, de que "o inferno são os outros" (o que aliás dito assim é uma redução errada, do que ele nos fala é do olhar dos outros, coisa diferente) está constantemente a ser provada. Viver-se em sociedade, como tem de ser, implica que estamos sempre em maior ou menos escala a interagir, e as nossas emoções mais básicas dependem de como reagimos perante o aplauso ou censura implícitos na enorme maioria das interacções sociais.
A auto-estima, por exemplo, de que se tem actualmente mais consciência constrói-se desde pequenino mas continua a ser reforçada ou diminuída até sermos velhos.
Claro que nestas coisas só posso falar por mim, e sei que sou muito demasiado sensível talvez ao modo como me tratam - um sorriso e uma frase simpática abrem uma clareira azul num céu nublado e uma resposta seca ou agressiva podem estragar-me o dia. E há profissões que para além da competência técnica deviam treinar o seu relacionamento. Estou a pensar nos médicos.
Quem procura uma opinião médica está numa situação de dependência e fragilidade. Oiço de vez em quando a frase "eu não gosto de médicos!" que só pode significar isso, não gostar de se sentir indefeso e dependente. E a verdade é que o modo como o médico se relaciona com o doente pode ser responsável por parte do sucesso ou insucesso de um tratamento.
Há poucos meses precisei de recorrer a um especialista que não consultava há anos. Não tinha sentido urgência e as consultas eram carotas, mas daquela vez teve de ser. Saí do consultório a sorrir porque já me tinha esquecido que simpático ele era. Valorizou tudo o que eu contei, recebeu-me como se tivesse todo o tempo para mim, e até criou um clima de cumplicidade com base na idade que os dois tínhamos. Aquela meia hora foi como se tivesse também sido agradável para ele...
Ontem tive a experiência oposta. Uma consulta no Centro de Saúde com uma médica que no relacionamento era a versão feminina do Dr. House mas sem nos dar a sensação de competência dele... A minha queixa foi recebida de um modo desdenhoso, e as perguntas que me fez pareciam querer apanhar-me em contradição. Só olhava para mim quando tinha mesmo de ser. No final da consulta tive de perguntar se já podia sair porque como nem olhava para mim nem dizia nada fiquei ali embaraçada... E note-se que a sala de espera estava vazia, nem havia a pressão do tempo!!!
Se se fizesse um gráfico, a minha auto estima à saída do primeiro médico de que falei estava bem acima da linha da média, ontem estava bem no fundo a sentir-me estúpida e ignorante...
O modo como nos olham faz toda a diferença, sim, Jean-Paul!
Cereja
4 comentários:
Ah se é!!! Tens toda a razão.
Já te respondo à outra mensagem.
Ui... Não tinha visto que tinhas escrito aqui e disse no facebook que te tinha mandado um mail... pareço parva :))))
Muitas vezes penso nessa coisa da autoestima e fico cheia de dúvidas. De que factores depende???
É frequente, até é vulgar, ver irmãos educados pelos mesmos pais e avós, frequentando a mesma escola, às vezes com os mesmos professores, e um é cheio de confiança em si e imagina-se o máximo, e o outro acanhado e inseguro... E muitas vezes "os outros" como aqui chamas a atenção são os mesmos nos dois casos!!!
É complicado Joaninha. Realmente há um conjunto de factores para esse sentimento, não depende só do ambiente familiar. Mas lá que ajuda o modo como "nos vêm" não tenho dúvidas. Por isso me lembrei do Sartre :))
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