sexta-feira, 8 de março de 2013

Uma história para o Dia da Mulher

Bem, o título não devia ser este.
Pensei escrever "quem não sabe (ler) é como quem não vê" que estaria mais de acordo com esta história mas, não sei porquê, o facto de aquela pessoa ser uma mulher tocou-me especialmente, e pronto! A história foi esta:
Esta manhã andei atarefada e um tanto enervada. Sentia-me embirrenta e implicativa. Tinha dado já uma série de voltas desnecessárias e estava cansada e farta. Mal disposta.
Ao descer para o cais do metro do Saldanha sou abordada por uma mulher com ar hesitante que me pergunta timidamente se sei como se vai para o Hospital de S. José. Olhei-a espantada com a pergunta. Magra e mal vestida, cabelo desalinhado, expressão angustiada, impressionou-me. «Mas é muito longe!» gaguejei. Ela ficou à espera da continuação. «Bem, a estação melhor é o Martim Moniz, vai ter de voltar a subir a escada apanhar a linha vermelha até à Alameda e aí mudar para a linha verde direcção cais do Sodré; sai no Martim Moniz». Baixinho, ela explica «Já lá devia estar.» Como a olho com ar compreensivo, continua «Ontem caí e magoei-me muito. Mas, a quente, nem senti muito, hoje é que estou muito aflita, nem consigo respirar e tenho muitas dores no peito. Disseram-me que tinha de ir ao hospital» E como eu lhe apontasse os letreiros para mostrar o caminho diz-me muito baixinho «É que eu não sei ler...» Depois pede-me conselho «Se fosse a pé, era muito longe...?» E eu, a querer ajudar sem saber como... «Bem, como está aqui, mais uma estação e é Picoas, depois ainda é longe mas é a direito, pode ser que prefira assim» E vou explicando «A linha amarela é a que tem um girassol amarelo, siga o girassol mas depois confirme que vai na direcção do Rato»
E ela lá se afastou tentando fixar as minhas palavras.
Sentia-me inundada por uma pena imensa. Não sei explicar porque imaginei que a queda que ela dera não era bem uma 'queda', alguém a tinha ajudado-a-cair. Ou não. Inegável era o analfabetismo, e isso é um sentido a menos e um dos 'nossos sentidos' mais importantes.
A minha rezinguice anterior sumiu-se envergonhada. Eu estava cansada (?), a manhã corria-me mal (?) mas sabia ler, até noutras línguas, e se precisasse podia chamar um taxi para me levar ao hospital. Nunca um adulto levantou a mão para mim. 
Tenho, temos todos, um grande caminho a percorrer na direcção daquilo que é justo e merecemos, mas já percorremos também um caminho considerável. Força. Ânimo.
Em frente! 




 -de-Cereja 

2 comentários:

saltapocinhas disse...

fiquei arrepiada...
a mazela que mais impressão me faz é o ser-se analfabeto. deve ser muito duro.
e, infelizmente, ainda há tanta gente nessa situação.
:(

cereja disse...

Olá amiga. Senti o mesmo. E a vergonha dela, tadinha, o tom em que o confessou baixinho e de olhos baixos. Quando escrevi que era a falta de «um sentido» é porque acho isso, faz mais falta do que o cheiro.